Pedro Cera tem o prazer de apresentar a primeira exposição de David Claerbout na galeria.
A exposição, cujo título parte da sua peça central - o mais recente vídeo de Claerbout, intitulado Wildfire (meditation on fire), 2019-2020 - tem como ponto de partida noções de verdade óptica, o tema da duração e da materialidade digital para abordar as mudanças e consequências da nossa percepção alterada do tempo e da realidade, dentro da actual era digital.
Inspirado pela investigação do artista sobre a quantidade de energia necessária para estimular uma muito detalhada “natureza morta” de fogo digital que, na verdade, descobriu depois o artista, poderia muito facilmente incendiar o computador, o trabalho reúne dois aspectos da vida que tradicionalmente se opõem: o biológico e o digital. Aqui a dimensão biológica é introduzida através do conflito entre o que é representado e a sua relação com o comportamento instintivo do corpo biológico, “programado” para...se proteger e procurar refúgio do fogo. Com a incapacidade do corpo para conter o calor do fogo, o instinto natural torna a ideia de meditação sobre fogo fisicamente impossível.
Desafiar o naturalmente possível tem sido um tema recorrente da prática de Claerbout, quer seja expondo a retina a 93 000 lux, ou a olhar directamente para o sol. Nos seus primeiros trabalhos, a câmara pode ser entendida como uma prótese do olho, uma extensão mecânica que nos permite conhecer uma realidade que de outro modo seria impossível de experimentar. A câmara em Wildfire (meditation on fire) é inexistente, aliás como em muitos outros trabalhos mais recentes do artista, tendo sido desintegrada em “Dark Optics”- um sistema numérico de códigos binários -. Ao remover a câmara a veracidade da imagem fica comprometida pela ausência daquela, símbolo moderno da verdade na representação pictórica. Nestas circunstâncias somos confrontados com uma ilusão de uma imagem, uma alucinação, e o construto visual da computação. A artificialidade assumida da imagem cria uma experiência envolvente de um ambiente e de uma situação, neste caso um incêndio que nunca aconteceu, desafiando por isso a nossa compreensão do tempo, do espaço e da realidade.
Ao retirar a figura humana da imagem, Claerbout desloca a nossa atenção para aquilo que tradicionalmente seria considerado o fundo de uma imagem. Árvores e arbustos gradualmente consumidos pelas chamas foram seleccionados como protagonistas, enfatizando o anti-antropocentrismo do trabalho. Planos longos de fogo, cujo som foi retirado, apropriam a noção do tempo de respiração biológica. Por um lado, estas imagens criam uma experiência envolvente e meditativa daquilo que, de outro modo, seria inexperienciável, enquanto que, por outro, desafiam activamente a nossa actual compreensão de tempo como capital, em que o tempo biológico é considerado desperdício.
Apesar das suas características representacionais, as raízes de Wildfire estão, de muitas formas, firmemente ancoradas na abstracção. A natureza abstracta do fogo abrasador torna-se uma referência para a abstracção tecnológica associada ao seu próprio fazer, insinuando ao mesmo tempo o mundo cada vez mais abstracto em que vivemos. A natureza abstracta e digital de Wildfire (mediation on fire) leva-nos de volta a uma época pré-fotografia. A chamada autenticidade da imagem perdeu-se aqui. Os trabalhos baseiam-se no conceito, na discussão, no consenso, conduzindo-nos ao medium da pintura, o ponto de partida de David Claerbout como artista. Materializados na exposição numa série de oito desenhos de incêndios, todos ligados a imagens do vídeo, estes trabalhos permitem a experiência material de Wildfire através do processo pictórico, fazendo ecoar uma nostalgia de certo modo romântica de um passado pré-digital. A sua existência física, a natureza táctil e a execução criam uma oposição material, natural e conceptual ao digital, permitindo fazer um balanço entre aquilo que se ganhou e o que se perdeu.
De entre as numerosas exposições individuais de David Claerbout a nível internacional destacam-se: Kunst Museum, Winterthur; Gallery Rudolfinum, Praga; Kunsthaus Bregenz; Schaulager, Basel; MNAC, Barcelona; Städel Museum, Frankfurt; KINDL, Berlim; Marabouparken Konsthall, Sundbybert, Suécia; Nederlands Fotomuseum, Roterdão; Kunsthalle Mainz, Alemanha; Secession, Viena, Áustria; Tel Aviv Museum, Tel Aviv, Israel; Parasol unit, Londres; SFMOMA, São Francisco; WIELS, Bruxelas, Bélgica; De Pont museum of contemporary art, Tilburg, Holanda; Centro Pompidou, Paris, França; The Kunstmuseum, St. Gallen, Suíça; e Van Abbemuseum, Eindhoven, Holanda. A sua obra encontra-se representada em importantes colecções públicas e privadas de todo o mundo.
Entrada actualizada el el 26 ene de 2021
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