Suponhamos que inicialmente seja o espaço. Testar peso, tamanho, equilíbrio e textura. Tocar, moldar e fundir para saber do que se trata. Mexer nas coisas e fazer parte delas, doar um pedaço do próprio corpo por meio do gesto. Suponhamos, então, que inicialmente não seja desenho. Desinvestido de sua função de projeto, o desenho existe apenas como um segundo encontro, uma forma de entender, no plano, aquilo que já foi modelado no espaço. Uma espécie de tradução. Flávia Ribeiro concebe as formas que lhe surgem intuitivamente já na terceira dimensão, transformando-as, enfim, em coisas: coisas que pesam, imóveis sobre o chão ou pendentes no ar. Pesam também no tempo, quando fundidas em bronze, matéria que carrega o valor da história e o símbolo da eternidade e por serem produto de uma técnica milenar, como é a fundição.
Aliás, não seria a própria experiência da vida uma questão no trabalho de Flávia...Ribeiro? Distanciada de uma abordagem literal ou religiosa, Ribeiro nos permite refletir sobre ela a partir de noções como movimento e transformação. Seus objetos parecem estar sempre em trânsito, pulando da terceira para a segunda dimensão, ou da segunda para a terceira; assumem múltiplas formas de existência, sendo papelão e parafina para logo então ser bronze, ou ser guache para depois ser veludo; podem ser pendentes a partir de pontos de apoio fixados na parede, atestando a força da gravidade que rege e organiza nossa forma de vida neste planeta; constroem-se a partir do desejo constante de cercar espaços cheios de vazios, reivindicando seu direito de existência entre o tudo e o nada; evidenciam, enfim, em suas superfícies, o vigor do gesto de uma mão inquieta, seja no traço do lápis, seja na modelagem da parafina. Assim, somos instigados a acompanhá-los, caminhando pra lá e pra cá de modo a alcançá-los, curvando a coluna ou esticando o pescoço, sentindo no corpo e na alma o efeito de suas variadas texturas, dimensões e atmosferas. Tem sido assim desde a última exposição da artista na Galeria, em maio de 2017. A relação que estabelecemos com os trabalhos de Flávia Ribeiro, aliás, não precisa ser mediada pelas palavras, afinal, ninguém precisa nos dizer que estamos vivos: podemos sentir.
Entrada actualizada el el 27 feb de 2019
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