Tempo para Tudo e vice-versa sugere os termos para a compreensão do que aqui se passa. Não se tratam de “leis”, mas de um movimento que é intrínseco às obras e também ao modo de as ver. Um sentido de tempo que é, na sua medida mais concreta, atemporal, já que, por ser líquido, se escapa à contenção, à determinação, à data. O tempo escorre entre pinturas e, com ele, os seus assuntos, os gestos e as manchas, certos elementos. Na obra de Jorge Queiroz (Lisboa, 1966) a história conta-se no jogo com esse movimento que sabe que, por natureza, nada se detém e tudo escapa à memória nítida do contacto primitivo com as coisas. Todo o movimento da obra é, por isso, feito do resgatar das impressões que já lhe estão coladas aos olhos e à pele, pela medida da sua própria existência. Cada decisão estabelece relações mais ou...menos previsíveis entre os elementos ou os gestos que compõem as obras, em torno da resolução da narrativa que o artista persegue, da construção da imagem; trata-se de um iniciar constante que requisita a revisitação imaginativa de si mesmo, por inteiro e de uma só vez. Por isso, entre as obras que compõem o corpo de trabalho de Queiroz, reconhecemos elementos comuns – tais como manchas, gestos ou figuras, mais ou menos concretas – que parecem repetir-se; contudo, eles não apenas ressurgem como se instauram numa aparência renovada, com uma outra forma de existir e de serem compreendidos, por ele que os elabora e também por nós, quando vemos os seus desenhos ou as suas pinturas. Podíamos dizer que o universo plástico do artista tem uma certa autonomia face à obra concreta; ele paira sobre as obras e, enfim, repousa nelas, singularizando-as na unidade de que são parte.
Nessa medida, as sete peças que compõem a exposição dão continuidade a um processo de trabalho que não se separa, isto é, elas são parte de um movimento contínuo de relação com o mundo e com a pintura, e testemunham as mutações próprias do que neles acontece, à medida que esse processo avança ou segue o seu movimento sem fim. Como em todo o corpo de trabalho do artista, elas saem da determinação excessiva do tempo para alcançar um lugar redentor e mais amplo onde se superam os próprios sentidos e as leituras que configuram. Abrem, não fecham. E, embora terminem, enquanto obra que se mostra, em nenhum momento se dão por encerradas e em nenhum momento encerram uma totalidade, mesmo quando delimitadas pelo fim da tela ou pela moldura. Ao contrário, abraçam- se entre si para se oferecerem – mantendo a unidade como pano de fundo – singularmente ao mergulho e ao reencontro subjetivo de quem as observa com o seu próprio ver e sentir, ainda que a partir do que elas expõem; são portas de passagem para o avesso, e essa é a medida da sua abertura. Do outro lado, a fusão recomeça, a metamorfose de tudo o que, de certo modo, se mostra e que, então, se move mais uma e outra vez. É, por isso, claro o texto que as acompanha: Modo, Mondo, Momento, Eclipse, Tempo para Tudo e vice-versa; digamos, um amplo sem-tempo – ou a pura reordenação – em cada uma delas e para cada um delas.
Maria Joana Vilela
Entrada actualizada el el 22 jun de 2021
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