Descripción de la Exposición
Suspensão da Humanidade
Uma das moradas do Carlos é a Rua da Amizade em Baleia, Ericeira. Sem acasos, subo a este texto pelas escadas da amizade, mas sem os constrangimentos que podem acontecer entre amigos. É que subo cada um destes degraus à vontade, porque gosto dos desafios da arte do Carlos. Falámos ao telefone, vi imagens da instalação antes da montagem, pude ver uma maquete da obra. Fiquei a saber que o nome é “Suspensão”. E enviei logo por email uma pergunta sem pudor. Qual foi o ponto de partida? Na volta do correio, a resposta veio com aquele jeito cuidadoso do Carlos: “Surgiu na sequência de um conjunto de estudos de outras obras que venho desenvolvendo há uns anos e que vêm sendo produzidas em função (das oportunidades, é certo) dos contextos e dos espaços onde as posso apresentar, mas também dentro dos temas que esteja a desenvolver em determinado momento. Esta, por exemplo, tem mais a ver com um tema que tenho vindo a explorar mais recentemente - Liberdade ou ausência desta - e que está muito relacionado com a ideia de opressão, prisão ou, até mesmo, tortura. Mas estas são as minhas motivações. A obra, prefiro deixá-la em aberto para novas interpretações e leituras.”
Daqui de onde o vejo, é um poste telefónico virado de cabeça para baixo. Com fios cortados ou partidos. E com a extremidade que está a apontar para o céu a mostrar a cicatriz de um fogo. Não sei o que vos parecerá este objecto, assim instalado fora de qualquer contexto utilitário. Para que serviria o destroço de uma ligação telefónica? Onde o Carlos No viu “opressão, prisão ou, até mesmo, tortura”, vejo eu a futura arqueologia do nosso tempo. Vivemos um momento histórico onde a suspensão da Humanidade é mais actual do que nunca. Temos por um lado a autodestruição promovida por um progresso que só quer existir com crescimento, mesmo que isso signifique a extinção da espécie humana. E temos por outro lado o uso variável de direitos humanos dos mais essenciais, à vontade do freguês, da empresa e dos Estados, com a desumanização de parcelas da Humanidade que não contam para os totobolas do sucesso.
Este é um artista atento, que não está à espera de ver o que acontece. Em criações anteriores do Carlos No, são temas centrais a insensatez das fronteiras e as migrações tornadas clandestinas por leis desumanas. Agora, nesta “Suspensão”, vejo a tortura de vivermos fechados dentro de uma relativa liberdade, sabendo que ainda a vivemos graças ao trabalho escravo e à aniquilação dos recursos de uma parte da Humanidade.
E agora vamos ao elefante no meio da sala. O Carlos gosta muito de símbolos, é claro. E vejo também aqui um símbolo dos mais reconhecíveis em todo o mundo, há milénios. Talvez o veja ainda de forma mais nítida pela circunstância de esta ser uma exposição feita muito perto da Sé de Lisboa, um dos lugares mais simbólicos do catolicismo em Portugal, desde os tempos em que outras religiões foram perseguidas pelos principais poderes do reino até este agora. E neste agora temos muitas feridas recentes, sejam os abusos sexuais encobertos pela Igreja ou a sistemática menorização das mulheres. Também neste agora e neste aqui, não poderíamos esquecer as marcas dos fogos antigos da santíssima Inquisição, nem as marcas mais recentes do colonialismo praticado com o guarda-sol da santidade. Com esta cruz virada de cabeça para baixo, o Carlos No faz uma afirmação política que podemos ver com os óculos que quisermos ter mais à mão, na nossa liberdade de cidadãos de pleno direito, nesta democracia europeia tão dada aos futebóis, às missas e ao medo.
É uma cruz que não quer servir para crucificar e também não serve para a comunicação. Transporta um fogo extinto, talvez marcada pela culpa. É provável que o actual líder máximo da igreja católica não entre nesta galeria este Verão, apesar de estar prevista a passagem por Lisboa durante a permanência desta exposição. Quem quiser, pode sempre considerar que há muito de coincidência nas peças deste puzzle. Pois. Mas a vida é feita de coincidências. E acordar-nos para a atenção será aquela ginástica mais ou menos voluntária que é praticada por artistas como o Carlos No.
João Pacheco*
Lisboa, Junho 2023
* Jornalista do semanário "Expresso"
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Humanity’s Suspension*
Carlos No can sometimes be found at Rua da Amizade in Baleia, Ericeira. Our friendship (amizade), helped me to write this piece, without the constraints that friendship sometimes brings. I enjoy the challenges presented by Carlos’s art and so took on this project eagerly. We spoke on the phone, I looked at drawings of the installation before it was mounted, I saw a maquette of the work. I learned that the title was “Suspension.” I then sent this blunt question by email, “What’s the point of this work?” Carlos’s thoughtful reply arrived in my inbox:
“This arose from ideas I’ve been developing for several years through other works made possible across a variety of opportunities, contexts and spaces available to me, but also from inspirations emerging in the specific moment. This work, for example, has more to do with a theme I’ve been exploring recently—Freedom or its absence—and has a strong connection to the idea of oppression, prison, or even torture. But these are my motivations. As a work, I’d rather leave it open to new interpretations and readings.”
At first glance, it is a telephone pole turned upside down. With wires cut or broken. And with the end pointing skyward showing the scars of a fire. I don’t know how you will see this object, installed as it is outside any referential context. What’s the point of destroying a telephone connection? Where Carlos No sees “oppression, prison, or even torture,” I see the archeological future of our time. We’re living in an historical moment where the “suspension” of Humanity has never been more real. On the one hand, we promote our own self-destruction by assuming that progress comes only with growth, even as it is leading to the extinction of the human species. And on the other hand we have defined as the most essential human rights those that meet the desires of the consumer, of business, and the State, dehumanising that part of Humanity that tries to see beyond the daily lottery.
This is an attentive, thoughtful artist, looking beyond the obvious. Carlos No’s earlier creations explore themes of the nonsense of borders, where migration becomes clandestine because of dehumanising laws. Now, with this work, I see the torture of our living confined within a seeming freedom, knowing that we do so thanks to slave labor, and to the annihilation of our resources.
Now we come to the elephant in the room. Carlos clearly loves symbols. And I see here one of the most recognisable and ancient symbols in the world. Perhaps one sees this so clearly because the gallery is so close to the Lisbon Cathedral, a symbol of Catholicism’s persecution of other religions in Portugal from the time of the kingdom until today. We have more recent abuses too, whether of the sexual assaults covered up by the Church, or the systematic belittling of women. In this time and place, we can’t forget the scars of the ancient fires of the holy Inquisition, nor the more recent vestiges of colonialism practiced under the umbrella of sanctity. With this upside down cross, Carlos No is making a political statement visible with the spectacles that we must use more often, acting as full-fledged and free citizens in this European democracy, given over so much to football, religion, and fear.
This is a cross that can be used neither to crucify nor to communicate. The marks of the dead fire suggest the ravages of guilt. It is not likely that the head of the Church will visit the gallery this summer, despite the fact that the exhibit will still be up during his stay in Lisbon. One can, if desired, see many coincidences in the pieces of this puzzle. But life is made up of coincidences. It’s the powerful exertions of artists like Carlos No that remind us to pay attention.
João Pacheco
Lisbon, June 2023
Translation: Christopher Sigur
Exposición. 13 dic de 2024 - 04 may de 2025 / CAAC - Centro Andaluz de Arte Contemporáneo / Sevilla, España
Formación. 01 oct de 2024 - 04 abr de 2025 / PHotoEspaña / Madrid, España