Descripción de la Exposición
Texto Curatorial | Shunga: serenos e ofegantes | Gal Oppido
Quem nunca viu um pênis ou uma vagina aparecer na tela do celular? Ou talvez abafou o som do gemidão que invade as salas de reunião, jantares e até discursos no plenário, provocando risos ou histeria. A ironia do erotismo se não aparente e silenciosa em uma sociedade pudica, lavrada e louvada por esportistas, deputados, ministros e presidentes, está presente no dia- a-dia. Entre as imagens mais enviadas em grupos de whatsapp estão animais de estimação, família, bebês e... sexo. Não está na boca do povo, mas na palma das mãos. Quando não ali, talvez nos bares, na cama, no bate-papo entre amigos, no funk, no samba e mpb. Amaram o amor serenado/ Das noturnas praias/ Levantavam as saias / E se enluaravam /De felicidade / Naquela cidade /Que não tem luar canta Chico Buarque.
Pesquisando sobre Shunga, nome genérico e abrangente dado às pinturas eróticas, gravuras e livros ilustrados no Japão, principalmente no período Edo (1602 a 1868), encontrei um desenho1 no qual um homem sentado, vestido em trajes de banho com os órgãos genitais aparentes, é cortejado por uma mulher que lhe serve saquê. A curiosidade da imagem se amplia ao compreendermos o texto, kakiire2:
Homem: Ah?sei não se é por causa da lua, mas nesta noite tá tão bão...
Mulher: Pra mim também, esta noite tá demais! Até tô a fim de chegar a umas cinco vezes.
Homem: Ei, vamos pegar um fôlego, que tal um golinho?
Mulher: Não fique aí só bebendo saquê é um veneno pro corpo, viu?
Homem: Que saquê, que nada, veneno és tu!
A lua e o erotismo presentes tanto em Chico Buarque quanto na figura japonesa, não apresentam uma coincidência, surpresa e muito menos algo grandioso, pelo contrário, elas são óbvias simplesmente porque explicitam o dia-a-dia. Há dezessete mil quilômetros de distância, mais de trezentos anos, em outra cultura, algo, a despeito de tudo, permanece um hábito: o cortejo dos corpos, o erotismo e, sobretudo, as diferentes formas de narrar o prazer sexual.
Em Shunga: serenos e ofegantes, é justamente a representação do sexo cotidiano e as convenções sexuais de uma sociedade viva e ousada, que interessam à Gal Oppido. Ofuscados por uma visão ocidental rígida e pecaminosa da relação sexual, desaprendemos a olhar e passamos a denunciar uma cultura sem reconhecer seus valores. O corpo, ele devia deslumbrá-los mais, nos aconselha Lacan em seu seminário Mais, ainda. A advertência não vale à Gal. Para um obcecado, ele enxerga demais. Estuda, esmiuça, cava a fundo e se apaixona por tudo que trata o íntimo, erótico. Corpos que o esbarram viram modelos, palavras, fotografias, filmes, trilhas, desenhos, livros, lambe-lambes, poemas e performances.
Se na série Alegorias Bíblicas (2007), o artista denunciava um corpo/objeto, sagrado, ligado a dispositivos teológicos culturais que questionam e tornam impensável a nudez, agora se interessa pelo corpo/ação, pelo erotismo, pela descrição minuciosa de variados, e totalmente casuais, hábitos amorosos de gente mais comum da população3 no período Edo. É revelando a forma alegre e inspiradora com a qual os japonesas lidavam com sexo, que Gal Oppido escancara nossos próprios tabus. O profano, o corpo guardado, a abstinência como política de estado.
Desde o Gênesis e a metáfora de Adão e Eva, a percepção da nudez e do sexo está associada à consciência da perda da graça divina e da salvação, ali o desejo carnal passa a existir como signo de negatividade. Explorando incansavelmente outras culturas, outras linguagens, outra carne, Gal reivindica de volta o corpo e sua sensualidade latente, reconduz o interesse e o amor pelo sangue, vísceras e ossos e restabelece o desejo sexual como um valor moral leve e rotineiro.
Exposición. 17 dic de 2024 - 16 mar de 2025 / Museo Picasso Málaga / Málaga, España
Formación. 01 oct de 2024 - 04 abr de 2025 / PHotoEspaña / Madrid, España