Descripción de la Exposición
Salvador é uma cidade singular. Sei que todas as cidades grandes têm singularidades... São pensamentos, hábitos, formas labirínticas que configuram imaginários particulares no tempo e no espaço. Toda cidade grande é singular, mas Salvador é mais, e mais singular ainda é a Baía de Todos-os-Santos.
O mito tupinambá do surgimento da Baía de Todos-os-Santos – marco civilizatório da predatória e cruel colonização portuguesa – narra que essa Baía surgiu miticamente da queda de uma ave gigante que, desfalecida, caiu sobre as terras do litoral formando uma imensa cratera que se encheu de água; seu sangue fertilizou as terras e suas penas alvíssimas tornaram-se as areias brancas da praia.
A Baía inicia-se na Ponta de Santo Antônio, uma elevação onde se ergue um forte de mesmo nome. Este forte possui um farol chamado de Farol da Barra. Pegada ao Farol, à esquerda, antes ainda da entrada da Baía há uma praia comprida chamada Barravento. Essa praia recebe um vento intenso vindo do mar. Esse vento cessa imediatamente ao dobrarmos para a Ponta de Santo Antônio. Aí uma calma toma conta do lugar. O desaparecimento do vento nos dá a sensação de que nesse exato ponto inicial da entrada na Baía adentramos em um novo espaço dimensional, semelhante a um portal.
Nesse novo espaço, olhando para o Farol da Barra, você nota uma Rosa dos Ventos, um totem com os quatro pontos cardeais. Por algum motivo, o norte ali vira sul e o sul vira norte. Na entrada da Baía, se olhar para o norte da Rosa dos Ventos me dirijo a Itapuã? Não, pois ali tudo se inverte... Você nunca chegará à Itapuã se seguir as orientações daquela Rosa dos Ventos.
Nesse mesmo marco inaugural fabuloso do Brasil há também “carneirinhos do mar”, espumas brancas que comumente em outros mares surgem das ondas como padrões harmoniosos que se repetem ordenadamente. Os “carneirinhos do mar” que surgem na entrada da Baía de Todos-os-Santos, no entanto não possuem essa imagem harmoniosa e rítmica do movimento das ondas em conjunto. Na Ponta de Santo Antônio as ondas tornam-se confusas, pois se misturam num conflito de vazante e cheia, vão e vem “aleatoriamente”, desobedientes batem cabeça, rebeldes e independentes por opção. É diferente.
Nosso marco inaugural, berço/umbigo da nação brasileira nasce desse ponto de deslocamento do real, do lógico, que creio marcará profundamente as formas com que essa nação vive e produz cultura. Um exemplo disso é a obra de Leda Catunda. Essas aproximações e afetos que a artista tem por Salvador podem surgir dessas ressignificações do real que ela cria. É um pouco disso que esse texto fala.
Ricardo Bezerra
Exposición. 19 nov de 2024 - 02 mar de 2025 / Museo Nacional del Prado / Madrid, España
Formación. 23 nov de 2024 - 29 nov de 2024 / Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (MNCARS) / Madrid, España