Noémia Cruz mantém com os bonecos de Estremoz uma relação de fascínio. Aqueles bonecos tradicionais pertencem ao território das cumplicidades onde se cruzam os segredos dos fazeres e as partilhas dos saberes, cruzando cores, formas, temas e figuras no que se configura como um repertório tradicional de raiz estremocence com claras funções de representação colectiva.

Como frequentemente acontece com estes repertórios, as suas são formas fixas, sujeitas a mecanismos de conservação pela repetição, assentes em modos de fazer e em fazedores especializados, na linguagem imaterial dos gestos e tradições repetidos uma e outra vez, frequentemente conduzindo à sua preservação e musealização.

Para Noémia Cruz, os bonecos são objecto de fascínio, disse. Mas são também lugar essencial de um diálogo, ao longo do qual a artista reinventa os bonecos tradicionais de Estremoz através da ... sua estética pessoal, marcada pela problematização da sexualidade e pela inquirição em torno das questões de género, do corpo, da nudez.

Com este trabalho, Noémia Cruz dá continuidade ao projecto Os meus bonecos de Estremoz, concebido para a edição de 2008 do Festival Escrita na Paisagem. Agora, com um leque mais amplo de figuras (e portanto de questões), Noémia Cruz redimensiona as questões que antes apontou e desafia dois barristas locais, criadores de bonecos de Estremoz segundo as práticas e estética tradicionais, a juntarem-se a ela nesta aventura simultaneamente fascinada e dessacralizadora.

Assim, construindo um diálogo entre duas perspectivas muito distintas sobre um mesmo objecto e as mitologias nele contidas, entre o artesanato tradicional e a da criação contemporânea, aqui se apresentam os meus bonecos, uma exposição que nos confronta com o passado e a tradição, e nos desafia a olhar através dela para o presente. É onde estamos.