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O Corredor

Exposición / Fidelidade Arte (antes Chiado 8 - Espaço Fidelidade Arte Contemporânea) / Largo do Chiado, 8 / Lisboa, Portugal
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Cuándo:
18 jul de 2011 - 14 oct de 2011

Inauguración:
18 jul de 2011

Comisariada por:
Bruno Marchand

Organizada por:
Fidelidade Arte (antes Chiado 8 - Espaço Fidelidade Arte Contemporânea)

Artistas participantes:
Ricardo Jacinto

ENLACES OFICIALES
Web 

       


Descripción de la Exposición

Num ensaio sobre obras de arte que usam o som como matéria ou que o têm como meio por excelência, o curador britânico Greg Hilty notava que 'uma voz soa no espaço que ela própria cria enquanto soa'. Esta é uma asserção extraordinariamente sugestiva: ponderar no espaço produzido por uma voz ao invés de nos perdermos em apriorismos ou considerações funcionais sobre o fenómeno sonoro é uma proposta que aponta um horizonte de liberdade, que indica um lugar eximido de univocidade e de purismo racionalista, um lugar de miscigenação, de encontro, de cooperação e de troca. Uma parte importante da actividade de Ricardo Jacinto (Lisboa, 1975) tem passado precisamente pelo estabelecimento destes lugares de encontro, nos quais o artista cultiva uma consciente e necessária contaminação de meios, instrumentos, disciplinas, processos e mesmo posições autorais. A confirmar esta postura está um vasto corpo de obras que resiste a enquadrar-se nas categorias artísticas tradicionais e que integra numerosas colaborações que Ricardo Jacinto tem vindo a encetar com outros artistas, músicos, arquitectos e performers, cujos contributos convergem amiúde na construção desses lugares utópicos onde um espaço pode ser produzido por uma voz.

 

A insistência nesta imagem não é inocente: desde o início do seu percurso artístico, em finais da década de 1990, Ricardo Jacinto tem-se debruçado com frequência sobre as relações entre espaço e som. Seja no âmbito de projectos de pendor colectivo como PARQUE (desde 2001), em instalações sonoras como Solo (2003), The Great Gig in the Sky (2004) ou Les Voisins #2 (2008), seja no quadro de acções colaborativas como Eye Height (2009-2011) ou In a Rear Room_Um tributo (2010), a exploração do modo como o som e o espaço influem e se contaminam mutuamente e, sobretudo, o interesse pela forma como a interacção destas duas instâncias se presta a poderosas disrupções perceptivas e somáticas, têm sido elementos constantes na prática deste artista. No projecto que agora apresenta no Chiado 8, Ricardo Jacinto amplia o leque de meios que habitualmente utiliza neste contexto, recorrendo ao vídeo para testar os limites operativos de uma cooperação entre espaço e som na construção de uma experiência elíptica, sinestésica e iterativa. Mais que isso, em O Corredor não só podemos observar aquela que será a mais contundente incursão do artista pela área da imagem em movimento, como assistimos também ao desvelar de um momento de reflexão e revisitação do seu próprio percurso por intermédio de um conjunto de subtis remissões, invocações e desdobramentos que reactivam várias das suas obras passadas e as instituem como subtextos a operar nesta exposição.

 

Aparato e sincronia

 

Muito do que é determinante na nossa experiência de um filme ou de um vídeo parece estar dependente do modo como nos colocamos (ou somos colocados) perante um conjunto de parâmetros segundo os quais avaliamos não só os conteúdos que desfilam no ecrã de projecção, mas também a relação que mantemos com todo o aparato que os suporta. A história da relação das artes visuais com o campo alargado da imagem em movimento tem sido marcada pela atenção que sucessivas gerações de artistas dedicaram a três dos referidos parâmetros, neles articulando as mais argutas respostas a esta particular condição da imagem, às tecnologias que a sustentam e aos modelos de fruição que promove. Falamos, mais especificamente, do modo com os artistas visuais questionaram e puseram em cheque (i) a valência representativa da imagem em movimento, (ii) a imersão do espectador no aparato da sala de projecção e (iii) a relação e o posicionamento das fronteiras entre documentário e ficção. À excepção do primeiro destes parâmetros - que corresponde, em certo sentido, a uma reposição das reacções da comunidade artística ao aparecimento da fotografia e ao impulso que esta concedeu na demanda pela abstracção - as restantes questões têm uma influência directa no modo como esta exposição se apresenta ao visitante.

 

Ao entrar no espaço expositivo, o espectador depara-se com um cenário semelhante a uma sala de projecção de pequenas dimensões. No eixo longitudinal da sala encontram-se, perfeitamente alinhados, um projector, vários bancos e um ecrã. Em conformidade com o cânone da experiência fílmica, este aparato é, simultaneamente (e dependendo do ponto de vista crítico), o veículo essencial para a concentração do espectador e o dispositivo por excelência da sua alienação. A maioria das obras de arte que lidaram com esta dupla concepção da sala de projecção tendeu a apropriar-se de parte ou da totalidade do interface cinematográfico para chamar a atenção para o espaço em que se processa esta experiência (e, em particular, para as suas características físicas e arquitectónicas), bem como para o seu aparente desaparecimento para todo o espectador absorto na imagem. Não é surpreendente, portanto, que uma parte significativa destas obras tenha sido fruto da actividade de artistas profundamente envolvidos com questões da escultura e da tridimensionalidade - um panorama particularmente próximo da prática de Ricardo Jacinto. Todavia, em O Corredor esta abordagem não se processa através de um qualquer expediente, diríamos, material, mas antes por intermédio da sincronização das bandas sonoras que integram os vídeos em exibição.

 

Contrariando os habituais esforços de contenção levados a cabo em exposições que integram obras sonoras, a proposta de Ricardo Jacinto procura tirar partido, de forma clara e consequente, do efeito de contaminação de sons que emanam de peças e de espaços distintos. Esta (aparentemente) simples decisão tem múltiplos e importantes efeitos na experiência expositiva. Em primeiro lugar, a incorporação de um som externo, porém síncrono, aquando do visionamento de uma peça anuncia de forma muito evidente o recurso a elementos extradiegéticos como uma das estratégias centrais de todo este projecto. Entendidos como presenças que não participam do universo ficcional da peça visionada, estes elementos - no caso, a banda sonora das restantes peças - aparecem como disrupções que destabilizam a experiência em curso mas que não deixam de a ampliar. De facto, a estreita relação que entre estas peças se estabelece por via da sincronização sonora levanta questões sobre a autonomia de cada um destes vídeos, deixando entrever a possibilidade de estarmos perante uma obra compósita cuja estrutura incorpora os diferentes vídeos aqui presentes bem como os espaços físicos, aurais e ficcionais em que os mesmos se intersectam. Tendo esta hipótese em consideração, talvez se consiga vislumbrar o pendor metafórico que o título desta exposição adquire e o eco que ele produz na estrutura do projecto.

 

Conteúdo e dualismo

 

Pese embora esta associação de O Corredor com o elemento arquitectónico do mesmo nome e com a sua função congregadora, uma outra leitura deste título se impõe a partir do momento em que nos debruçamos sobre o conteúdo dos vídeos e, em particular, da peça que inaugura esta exposição. Em A história do pinheiro e do lobo (2011) somos confrontados com dois universos bastante distintos: por um lado, acompanhamos uma sessão de testes levada a cabo por um uivador numa câmara anecóica, e, por outro, seguimos um momento das festas nicolinas, em Guimarães, conhecido popularmente como o enterro do pinheiro. Neste contexto particularmente heterodoxo, O Corredor sinaliza o envolvimento deste projecto com a ideia de lenda e com a tradição oral. Isto porque, mais do que para a função performativa a que alude (isto é, estritamente para o acto de correr), este título remete para um credo minhoto segundo o qual o corredor é um ser mutante que assume a forma de lobo e cujo destino é 'correr o fado'. Intrinsecamente próximo da lenda do lobisomem, este credo é aqui invocado, julgamos, não tanto pela sua especificidade ou pela sua carga fantástica, mas pelo modo particularmente eficaz como enuncia um conjunto de noções centrais aos conteúdos destes vídeos. De entre estas, destacam-se as noções de comunidade, de ritual e de performatividade - todas elas bastante familiares ao universo criativo de Ricardo Jacinto.

 

Com efeito, os conteúdos ou, se quisermos, os assuntos abordados em A história do pinheiro e do lobo, mas também em A história da água e do avião (2011), parecem girar em torno de um conjunto de fenómenos que permitem pensar as referidas noções segundo um método de pendor dualista. E dizemos dualista porque a comunidade vimaranense que sobe a avenida para enterrar o pinheiro, e aqueloutra formada pelas atletas de natação sincronizada, não são redutíveis ao suposto isolamento de um uivador numa câmara anecóica e de um piloto enclausurado num simulador de voo. Do mesmo modo, o prazer ritualista que supomos emanar da marcha dos estudantes e da dança das nadadoras não é passível de ser simplesmente contraposto ao esforço operativo do oficial e aos ensaios do zoólogo. Mais do que opostos, os pares mencionados são complementares e, em certo sentido, ambos os vídeos apresentam diferentes versões, talvez mesmo diferentes intensidades, de um conjunto restrito de situações que percorrem contextos similares e que são compostas pela mesma tipologia de variáveis. Arriscando uma extrapolação, A história do pinheiro e do lobo e A história da água e do avião parecem ser as metades especulares de uma mesma obra, os hemisférios de um mesmo universo votado à exploração da retícula apertada em que se enredam prazer e eficácia quando face aos mais distintos desafios da performatividade.

 

Estrutura iterativa, documentário e ficção

 

A sugestão de que estes dois vídeos partilham o mesmo assunto e compõem uma e a mesma obra encaminha-nos no sentido de poder considerar este projecto como estando assente numa estrutura iterativa. Ainda que não enveredemos pelas questões da repetição e do retorno do mesmo no âmbito desta exposição, é impossível não ter em consideração os reenvios e as alusões que este conjunto de peças estabelece com anteriores obras de Ricardo Jacinto. Da recuperação da câmara anecóica (onde foi gravado o disco do projecto 'Cacto'), passando pelos múltiplos usos da voz e da polifonia (como acontece em obras como Os #3 [2007] ou In a Rear Room #1 [2009]), pela noção de comunidade (abordada em particular nas acções do colectivo PARQUE), pela alteração das condições somáticas e perceptivas (como em Labirintite [2007]), ou por uma ideia ampla de jogo e de desempenho (como em Cavalinho para observar o voo de uma faca atirada com precisão [2000] ou Trama [2003]), os vídeos aqui presentes recuperam, por vezes directamente, elementos seminais do universo criativo do artista, instituindo um conjunto de gestos intra-remissivos que estabelecem a totalidade da sua obra como uma influência em permanente actividade no momento da recepção.

 

Isso mesmo acontece com a memória de outras duas obras intituladas Grãound (2004) e La Mercedes con sotaque (2005). Fazendo parte do estreito conjunto de peças de Ricardo Jacinto que recorrem exclusivamente ao vídeo como meio de produção, entre as referidas obras e as que aqui se apresentam existe um impulso comum pela construção de um território narrativo e videográfico que evita estabilizar-se ou enquadrar-se em modelos estanques. Se é um facto que as escolhas criativas e processuais parecem impor uma abordagem documental aos fenómenos tratados, não é possível, porém, ignorar a estrutura ficcional que desponta do trabalho de edição que o artista levou a cabo. É através deste, e da construção elíptica em que assenta, que se inviabiliza qualquer hipótese de encontrar nestas obras o esboçar de um comentário que tenha efeitos fora das obras em si e da relação intersubjectiva que nos propõem. Plenos de representação, nenhum destes vídeos procura ser representativo. Nem mesmo Foyer (2011) que, na sua vertigem polifónica, nos coloca perante a escolha entre os sons, a imagem ou o colapso da sua experiência simultânea, frustrando quaisquer aspirações ao nível da unidade e da eficácia comunicativa.

 

Uma vez frente a Foyer, fica claro que O Corredor é um repositório de retratos fragmentários. Muito longe de quaisquer ambições no plano político, estes vídeos de Ricardo Jacinto são narrativas que não pretendem produzir um sentido inteligível. São como histórias que prescindem de um enredo fechado a favor da intensidade do acto de contar; histórias que se desembaraçaram de desfechos e conclusões para se concentrarem na enunciação das partes, para fazer ruir a linearidade temporal, para instituir uma duração que lhes é intrínseca e para obviar leituras estritamente racionais e consequentes. Na sua espantosa acuidade, estas peças fomentam a sua própria condição lacónica. É nela que se investe o olhar e ganha corpo a subjectividade.

 


Entrada actualizada el el 26 may de 2016

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