Descripción de la Exposición
No centro da sala imaginei um atanor, esse forno cósmico usado para manter uma temperatura uniforme de forma a dar tempo para que transmutação acontecesse. Tudo irradiaria a partir desse núcleo. As sombras nas paredes apenas iriam confirmar o acontecimento: uma subtil mudança atmosférica, uma ligeira alteração da cor, uma insignificante expansão do espaço – pequenos nadas apenas medidos na progressão dos anos. Tudo era idêntico, mas essas metamorfoses microscópicas faziam toda a diferença.
A letra “a", por exemplo, indicava um início, que se repetia até se dissolver, perdendo-se assim a sua origem. Os títulos sucediam-se e estavam sempre a falhar, porque aquilo que agarraram depressa dava lugar a um outro estado, mais sólido, mais líquido. No fundo, podia descrever-se este lugar a partir do seu ambiente cársico. A corrosão das rochas vive nos desenhos, como estes habitam a sucessão dos dias, por vezes solares, muito frequentemente de persistente chuva. A noite, essa, era cortada pela velocidade.
Uma Suzuki, pensei imediatamente, abrindo desde logo uma clareira para acolher as rotações de um pensamento milenar: “O mundo interior não tem Limites e o mundo exterior também é ilimitado. Nós dizemos ‘mundo interior’ e ‘mundo exterior’, mas, na verdade, só há um único mundo. Nesse mundo sem limites, a garganta é uma espécie de porta de vaivém, O ar entra e sai como alguém passando por uma porta de vaivém. Se você pensa ‘eu respiro’, o ‘eu’ está a mais. Não há um você para dizer ‘eu’. O que chamamos ‘eu’ é apenas uma porta de vaivém que se move quando inalamos e exalamos. Ela simplesmente se move, eis tudo. Quando sua mente está pura e calma o suficiente para seguir esse movimento, não há nada: nem ‘eu’, nem mundo, nem mente, nem corpo. Só uma porta que vai e vem.”
(…)
Baixo os olhos e encontro a prova que o lugar onde estou foi outrora o fundo do mar. Mergulho e chego à superfície com as mãos cheias de sal, corais, algas e conchas. Trago também uma estrela do mar, um cavalo marinho, uma pérola e mexilhões. Sobre os cavaletes, o oceano é iluminado por um “A", que paira do tecto, um “A" minguante, no qual também cabe o chilrear dos grilos, o aroma adocicado das alfarrobeiras, que se mistura com o zimbro, o funcho-do-mar, a barrilha, a salgadeira e o pampilho-marítimo. A maresia traz também o cheiro do sargaço e o roncar dos motores das traineiras.
E a madrugada dilata-se entre aguadas e a liquefacção da letra fundadora. “Não há nada: nem ‘eu’, nem mundo, nem mente, nem corpo. Só uma porta que vai e vem.” O espaço, já devidamente aquecido pelo atanor, conserva as propriedades envolventes – humidade, pressão atmosférica, temperatura –, e começa tudo a ser consumido por esse fogo cósmico. A nossa consciência muda-se em desenho e este, por seu lado, metamorfoseia-se numa paisagem sem coordenadas geográficas, apenas possível de ser descrita por uma letra, o “A", que é uma montanha a desaparecer entre a bruma, ou por gestos que agarram as intensidades meteorológicas: daí as manchas de cor, os circunvoluções, as precipitações, os fios de luz, os riscos, as bolhas.
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Óscar Faria
In the center of the room I pictured an athanor, that cosmic oven used to maintain a uniform temperature in order to allow time for transmutation. From that core, everything would radiate. The shadows on the walls would only confirm the event: a subtle change in the atmosphere, a slight change in color, a trivial expansion of space – little nothings only measured over the years. Everything was identical, though these microscopic metamorphoses made all the difference.
The letter "a", for example, pointed to a beginning, which was repeated until dissolved, thus losing its origin. The titles followed one another and were always failing, because what they grabbed soon gave rise to another state, more solid, more liquid. Basically, this place could be described from its karstic atmosphere. The corrosion of rocks lives in the drawings, as these inhabit the succession of days, sometimes solar, very often of persistent rain. The night was crossed by speed.
A Suzuki, I immediately thought, opening a clearing to welcome the rotations of an ancient thought: “The inner world has no limits and the outer world is also unlimited. We say ‘inner world’ and ‘outer world’, but in reality, there is only one world. In this world without limits, the throat is a sort of swinging door. The air moves in and out like someone passing through a swinging door. If you think ‘I breathe’, the word ‘I’ isn´t necessary. There is no you to say ‘I’. What we call ‘I’ is just a swinging door that moves when we inhale and exhale. It just moves, that is all. When your mind is pure and calm enough to follow this movement, there is nothing: neither ‘I’, nor the world, nor mind, nor body. Just a swinging door.”
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I look down and find evidence that the place where I am was once the bottom of the sea. I take a plunge and reach the surface with my hands full of salt, corals, seaweed and shells. I also bring a starfish, a sea horse, a pearl and mussels. On the easels, the ocean is illuminated by an “A”, which hangs from the ceiling, a waning “A”, which also includes the chirping of crickets, the sweet aroma of carob trees, which is mixed with juniper, fennel of the sea, saltwort, shrubby orache and asteriscus maritimus. The sea air also brings the smell of sargassum and the roar of the trawlers' engines.
And the dawn is expanded between watery and the liquefaction of the founding letter. “There is nothing: neither ‘I’, nor the world, nor mind, nor body. Just a swinging door.” The space, already properly heated by the athanor, preserves the surrounding properties - humidity, atmospheric pressure, temperature - and everything starts to be consumed by that cosmic fire. Our conscience becomes drawing and this, in turn, changes into a landscape without geographical coordinates, only possible to be described by a letter, the “A”, which is a mountain disappearing in the mist, or by gestures that grab the meteorological intensities: hence the color patches, the circumvolutions, the precipitations, the strands of light, the scratches, the bubbles.
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Óscar Faria
Susanne Themlitz (Lisboa, 1968) estudou desenho e escultura no AR.CO, entre 1987 e 1993 e completou o mestrado em artes plásticas na Kunstakademie de Dusseldorf, Alemanha, em 1995.
O seu trabalho convoca estratégias de desenho, escultura, fotografia, video, instalação e pintura. É através destes meios que desenvolve um mundo onírico.
O seu trabalho está representado em várias colecções, nacionais e internacionais, nomeadamente a Caixa Geral de Depósitos/Culturgest (PT), o Museu de Arte da Fundação de Serralves (PT), a Coleção Alfredo Hertzog da Silva (BR), a Fundação Calouste Gulbenkian (PT), a Fundação Carmona e Costa (PT), a Fundação EDP/MAAT - Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (PT), o Perez Art Museum Miami (EUA) ou o Museu de Arte Moderna de Santander (ES), entre outros.
Susanne Themlitz (Lisbon, 1968) studied drawing and sculpture at AR.CO, between 1987 and 1993 and completed her master's degree in fine arts at the Kunstakademie in Dusseldorf, Germany, in 1995.
Her work evoke strategies of drawing, sculpture, photography, video, installation and painting. It is through these mediums that the artist develop a dreamlike world.
Her work is represented in several collections, national and international, namely Caixa Geral de Depósitos/Culturgest (PT), the Serralves Foundation Museum of Art (PT), the Alfredo Hertzog da Silva Collection (BR), the Calouste Gulbenkian Foundation (PT), the Carmona e Costa Foundation (PT), the EDP Foundation/MAAT - Museum for Art, Architecture and Tecnology (PT), the Perez Art Museum Miami (EUA) or the Santander Museum of Modern Art (SP), among others.
Exposición. 31 oct de 2024 - 09 feb de 2025 / Artium - Centro Museo Vasco de Arte Contemporáneo / Vitoria-Gasteiz, Álava, España