Descripción de la Exposición
FLUXOS - DAR A VER O INVISÍVEL DA HUMANA PEREGRINAÇÂO
A obra de Roberto Santandreu, na sua produtiva diversidade, apresenta linhas de continuidade e coerência, reconhecíveis nos trabalhos que agora expõe.
Desde logo a tomada da realidade como ponto de partida da fotografia, neste caso, o real reduzido, diria sintetizado, em tampas de esgoto, no chão das cidades. Essa surpreendente redução, já antes experimentada, é cruzada com outra linha da obra do autor: o real, ou a sua representação, é apenas pretexto para uma assumida reflexão filosófica, literária ou ontológica a que sempre submete o seu e o nosso olhar. E é nesse jogo entre o que revela e o que oculta mas sugere, que Roberto Santandreu coloca o Homem e a sua condição, mesmo nos casos em que nem a sua sombra é visível.
O objecto aqui fotografado sob diversas formas e de diferentes geografias pertence, no plano do real, à mais baixa categoria dos equipamentos urbanos, esconde os dejectos e os tubos circulatórios da actividade humana, na sua dimensão estritamente biológica e tecnológica. Oculta o intolerável e o feio útil. Contudo, num plano mais vasto, essas aberturas, rasgadas no asfalto ou na calçada, são portas fechadas para a obscuridade e para o inconsciente colectivo que tememos escancarar. Ameaça e protecção, são forjadas em ferro e aço e manipuladas por homens que, de tempos a tempos, vemos emergir, laboriosamente, numa cadeia que nos reenvia para a condição social dos “intocáveis” da nossa urbe civilizacional, pródiga para uns e devoradora para os demais.
Acontece que à superfície, essas tampas-portas são o chão que pisamos e nos ampara na(s) queda(s). Testemunhas dos nossos passos e de outros que os precederam, garantem-nos a existência num mundo aparentemente iluminado, aberto para a energia comunicante e para a luz, que nos permite, se quisermos ou soubermos, mirar-nos nos muitos espelhos ao nosso dispor. Podem, pois, estas tampas, ser as portas que separam os fluxos interiores e ocultos da “selva escura” daqueles que circulam à superfície, num limbo que revela apenas a metade exterior dos fluxos vitais.
Ao transportá-las para a sua obra, Roberto Santandreu devolve-as transfiguradas em rosáceas de sombra e luz, outorgando à cidade contemporânea o lugar de catedral possível para o recolhimento e a sua/nossa permanente demanda do sentido oculto da humana caminhada.
Talvez seja esse impulso de interrogação filosófica que animou o longo e demorado olhar do artista, certamente captado pela singular beleza circular destes objectos. O significado simbólico e estético do círculo, como forma perfeita, mágica e de totalidade, é uma inscrição permanente na história da cultura universal, basta pensarmos em exemplos tão diversos como os primordiais círculos solares pré-colombianos, a divina proporção de Leonardo ou a psicanálise Jungiana. Mas ao oferecer-nos estes círculos de tampas de ferro convertidas em cintilações de uma inesperada beleza, o artista obriga-nos a levantar a cabeça da caminhada apressada e rastejante - essa ameaça contemporânea - e a olhar de frente as regiões de luz e de sombra que nos enformam, individual e colectivamente.
Estas fotografias, na suas espantosa e surpreendente harmonia estética, são espelhos que Roberto Santandreu nos oferece. Saibamos nós olhá-los sem temer o olhar da Medusa.
Elisa Costa Pinto
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Roberto Santandreu
Fluxos
Interrogam-nos estas formas - quase sempre circulares e apostas no branco do papel, de modo contrastante ou delido - pela linguagem singular, pela frase poética, mesmo ditirâmbica, com que o autor as distingue, estabelecendo, em cada caso, correspondência literária, filosófica ou política, com um local específico. Tudo, no percurso do autor, fala do Tempo. Do desenrolar de acasos, quiçá cronometrados (peça apresentada numa Bienal de Artes Plásticas do Montijo); do Tempo da Antiguidade Clássica, nas suas fotografias atenienses que evocam pedras fraturadas, envoltas em aura de mistério e/ou em conivência com o indeterminado; no fragmento ainda significante - rosto, mão, torso - sob a poeira que se levanta em dias de tempestade e que não tem outra finalidade, que não seja entorpecer-nos, mantendo-nos a segura distância do inefável! A atitude corresponde a uma justeza franciscana, pois nesta, mesmo a Casa de Deus pode apenas ser um local onde Ele e o Sagrado se manifestem! Não, não é despiciendo este evocar da apresentação destas (e mais peças) no despojado Convento dos Capuchos, em Almada! A mesma linguagem de silêncio e do impenetrável, do que resiste ao simples olhar! Cito o que escrevi, na apresentação da minha Curadoria "Tempo, Espaço e Identidade" na XX Bienal de Cerveira (2018) e que o artista integrou (juntamente com Álvaro Carneiro, Diana Costa, Isaque Sanches, Mário Cabrita Gil e Pedro Saraiva): (.../...) O espírito que preside à Instalação que apresenta, pode ser entendido prosaicamente pelo lado do objecto pobre e depreciado que constitui a sua temática, no entanto, a sua captura fotográfica e apresentação pública, literalmente eleva-a a ícone de uma realidade transfigurada, conforme a uma visão de despojamento do supérfluo e reconhecimento do essencial. Neste seu despojamento e essencialismo, encontro e reconheço o que o artista, no seu espantoso domínio técnico e apurada sensibilidade, nos (e me) transmite!
Jaime Silva
Janeiro de 2021
Exposición. 17 dic de 2024 - 16 mar de 2025 / Museo Picasso Málaga / Málaga, España
Formación. 01 oct de 2024 - 04 abr de 2025 / PHotoEspaña / Madrid, España