Descripción de la Exposición
O título desta exposição está mal formulado. Quando te encostas, ou esfregas, num morto o que consegues é impregnar-te do odor da putrefação. Odor que dissimula o teu próprio odor, anula o teu rasto e torna-te invisível. Invisível para quem? Para aqueles que veem com o nariz, que leem o jornal cheirando as esquinas, ou a quem as notícias chegam de longe através de kilometros acumulados na roda de um carro. Os cães esfregam-se num morto com o intuito de desaparecer. Desaparecer porquê? Por instinto. Para controlar a comunicação - emitir sinais voluntários quando e onde quiserem- e evitar que ninguém os siga, dissimulando-se num outro. Outro que ninguém conhece. Um sapo morto à vários dias.
Esta é uma exposição para cães, e este texto é para os donos dos cães. Na exposição foram utilizados vários elementos que os cães podem percepcionar mas os humanos não, eliminando assim toda a tentação estúpida de antropomorfizar os animais. Não se trata de colocar pinturas à altura dos cães, nem de lhes colocar óculos para que estes vejam melhor. Trata-se de "canificar" o homem, afirmando -quiçá celebrando- a diferença que torna evidente a frustração de nada ver nesta exposição.
De facto, o público desta exposição é outro, próximo e dependente, extremamente dócil e que se deixa educar. Um público que é o nosso melhor amigo, assim que se deixa. Já que necessita de nós. Mas que na verdade, come qualquer coisa e a relação que mantemos com ele é puramente ficcional. Feita à medida. Construída através de malformações e modos, através de cruzamentos calculados e retorcidos conseguiram passar um lobo a chihuahua. Um público à imagem e semelhança de nós próprios. Que não hesitemos em considera-lo mais um da família, quando na verdade lhe é indiferente. Mostra indiferença perante as nossas coisas. Perante este texto. Mas esta exposição é diferente, esta exposição está pensada para eles. Está feita especificamente para eles. E de facto, a exposição fica afectada fisicamente pelo público que a visita. Assim que entrar o primeiro cão, a exposição jámais será a mesma. Esta exposição não é críptica, é complexa, como é complexo o xixi de cão em cima de xixi de cão, evidenciado a nossa incapacidade de entender, o carácter simples e desajeitado da nossa percepção.
Aqui - e quem sabe em todos os lugares - somente podemos perceber através de um outro, e através das reacções dele podemos interpretar algo. Acedemos ao conteúdo através da interpretação de um gesto, de um interesse, ou de uma rejeição. Isto é, no desejo da comunicação pomos quase tudo de nossa parte. Sabemos o que é que interessa ao público e o que não, qual a sua posição, e aquilo que não lhe interessa. É por isso que utilizamos materiais específicos –hormonas, odores e ultra-sons– para criar obras. Para criar contradições, escalas de valores, armadilhas que geram discurso. Pois nós sabemos o que interessa ao outro, o que lhe convém escutar – farejar neste caso– fazemos exposições e oferecemos conteúdos, embora não tenhamos outro remédio que aceitar a frustração gerada por um título –um odor– mal formulado.
Enric Farrés Duran
Formación. 01 oct de 2024 - 04 abr de 2025 / PHotoEspaña / Madrid, España