Descripción de la Exposición
Desperdícios – ou a arte de olhar para trás enquanto se avança
Não é exagero afirmar que os nossos tempos começam a apanhar o passo de Gabriela Albergaria, cuja obra reflete uma preocupação profunda com o futuro do planeta. A artista conduz, inspiradamente, já há mais de vinte anos, uma investigação sobre políticas localizadas de ecossistemas, adotando uma forma específica e concreta de eco-pensamento e de ecofazer que se tem desenvolvido ao fio do tempo, com leituras e encontros. Gabriela Albergaria tem seguido a vida e morte de árvores, caminhos em jardins europeus, e tanto sementes como plantas da amazónia. A flora tem sido o seu objeto de estudo principal, e o modo como a sua socio-política coincide com a nossa. A artista sido uma “fazedora” atenciosa: o seu trabalho surge das suas descobertas, e o seu “fazer” é uma maneira de compreender a relação debilitada que temos com a terra – a vida vista como um “recurso”, já para não dizer “produto”. Mormente, a artista acredita na prática de comunicar em vez de proclamar, em mostrar em vez de dizer, em incorporar em vez de dar lições. Esta consciência social reflete-se na arte que produz.
Veja-se o título da exposição: “desperdícios”, que alude à questão do lixo. Mas para além disso, este nome faz referência a um pano de limpeza industrial feito a partir de fio recuperado, que implica um conhecimento intuitivo e ancestral de reaproveitamento (em vez de reciclagem) dentro de um sistema capitalista. Com efeito, neste momento, o trabalho de Gabriela Albergaria engloba também gestos recuperados da vida do dia-a-dia relacionados com a reutilização de tecidos e fios. Durante a infância da artista em Portugal, os “desperdícios” encontravam-se em oficinas de reparação de máquinas, e eram usados para limpar combustíveis fósseis e outros materiais tóxicos e gordurosos. É aqui que reside a força do trabalho de Gabriela Albergaria: uma visão clara que não se deixa contaminar pela nostalgia, e uma simpatia para com o elemento humano e para com os limites económicos e educativos das culturas de todo o mundo.
Isso é simbolizado na exposição, por um desenho/colagem de um plátano com que a artista cresceu, e que, segundo ela, tem sido “quase violentamente podada, [com] uma [agora abandonada] prática comum em vários jardins europeus. Mais propriamente em Portugal e França” [1]. Este método não era apenas agressivo para com a planta, mas também estragava a beleza da árvore. Assim, até as nossas memórias pessoais da natureza podem conter escolhas problemáticas que é necessário abordar – as tradições são constantemente testadas no trabalho da artista.
Gabriela Albergaria explora outra tradição, desta vez artística: o desenho. Foi esta prática que nos deu a história da árvore de ácer, por exemplo. No entanto, o estilo de desenho de Albergaria não só corresponde a uma tradição de desenho específica em Portugal, desenvolvida por vários artistas desde os anos 1980, como também é por si utilizada de maneira crítica como forma de tecno-pensamento que percorre toda a sua obra. Desenhar não é apenas uma maneira de olhar, mas também uma maneira de dar corpo ao que é visto (por si ou pela sua câmara digital) e avaliar a paleta de cores e os materiais que são sobretudo (embora não a maioria, porque todos nós participamos na erosão climática) biodegradáveis, se não forem compostáveis. Para além disso, os seus desenhos de árvores, normalmente com colagens de fotografias, agora incluem tiras monocromáticas, cujos tons castanhos e verdes nos mostram a sua preocupação mais recente com a natureza, e a qualidade e o empobrecimento dos solos.
É raro notar-se que o processo de Gabriela Albergaria envolve aprender e ouvir de uma maneira não-hierárquica: ela fala com botânicos, jardineiros, paisagistas, biólogos, arboricultores e ajudantes de jardinagem. A artista reúne muita documentação, e o seu estúdio está cheio de livros, de Philippe Descola a Déborah Danowski e T. J. Demos, acumulando não só conhecimento e técnicas científicas, mas também vernaculares. As suas viagens, sempre com o objetivo de estudar um contexto particular, alimentam a sua ética do receber – dar. A artista é quem partilha, mas também quem recebe o conhecimento, numa forma de reciprocidade.
Nessa óptica, um dos trabalhos que a artista traz a esta sua nova exposição na Galeria Vera Cortês inclui uma técnica japonesa de recuperação de tecidos, o Sashiko, juntamente com folhas anti-mistura de cores para máquina de lavar roupa, e papel reutilizado da gaveta de “reciclagem” do seu atelier. As peças em tecido têm linhas abstratas e lineares bordadas, que compõem bonitas formas que se assemelham a campos. Uma sobreposição desses elementos compõe peças de parede. Para além disso, duas esferas foram feitas com “fique”, um material colombiano vindo de uma planta que se assemelha a um cacto, cujas fibras podem ser secas para serem usadas na tecelagem. E, finalmente, a artista comprou online tecido de um velho sari de uma fonte de comércio justo, tendo uma parte chegado como “desperdício” e a outra em fio. Albergaria transformou-as em esferas dispostas num artefacto em forma de aro, tradicionalmente usado por mulheres em Portugal para carregar pesos em cima da cabeça. Tanto o Sashiko como as esferas “fique” foram em parte feitas com uma técnica de croché. Esta coleção híbrida de materiais, objetos e formas feitas à mão, é um tipo de sabedoria telúrica.
Numa época pós-pandémica e de consciência climática, onde gerações mais novas compram roupas em segunda mão e recusam a "fast fashion", é importante ver refletido em exposições um trabalho que tem vindo a investigar meticulosamente a origem e o devir das "coisas" no nosso planeta, como é o caso do persistente etos de “care” de Gabriela Albergaria. Uma peça de chão apresentada nesta exposição fala dessa atenção: sementes recolhidas no Rio Negro e no Rio Branco, na Amazónia, são reproduzidas em massa de modelar que seca ao ar, e integradas num padrão de lages que não encaixam por completo, por causa do material escolhido. Um material imperfeito, tal como nós.
Joana Neves
BIO
O trabalho de Gabriela Albergaria envolve um território: a natureza. Uma natureza manipulada, plantada, transportada, estabelecida em hierarquia, catalogada, estudada, sentida e renomeada através da exploração contínua de jardins em fotografia, desenho e escultura. A artista percebe os jardins como construções elaboradas, sistemas de representação e mecanismos descritivos que sintetizam um conjunto de crenças fictícias que são usadas para representar o mundo natural. Os jardins são também ambientes dedicados aos processos de lazer e estudo, culturais e sociais que produzem uma compreensão histórica do que é oconhecimento e o prazer.
Mais geralmente, as imagens de jardins e espécies de plantas empregadas pela artista são usadas como dispositivos para revelar processos de mudança cultural através dos quais se produzem visões da natureza. Mediados por sistemas de representação, eles criam diferentes versões do que percebemos como uma paisagem – um sistema complexo de estruturas materiais e hierarquias visuais, construções culturais que definem o enquadramento do nosso campo visual.
Uma seleção de exposições individuais inclui “Desperdícios”, Galeria Vera Cortês (Lisboa, 2023); “CAM in Motion: Gabriela Albergaria – Can we go in a new direction?”, Centro de Arte Moderna Gulbenkian, instalação na Praça do Centro Comercial Fonte Nova (Lisboa, 2023); “Para onde agora? Where to now? Aller où maintenant?”, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (São Paulo, 2022); A Natureza Detesta Linhas Retas, Culturgest (Lisboa, 2020); “...an adventure in which humans are only one kind of participant...”, Galeria Vera Cortês (Lisboa, 2019); “Inanimate Object, or a complete cycle of the soil”, Sheffield Park and Garden National Trust (Sheffield, 2018); “Endless infinity”, Museu Nacional Grão Vasco (Viseu, 2017); “Ah, al fin, naturaleza”, FLORA ars+natura (Bogotá, 2016); “Ah, Finalmente, Natureza”, Fórum Eugénio de Almeida (Évora, 2015); “Terra / Território”, Consulado Geral de Portugal em São Paulo (2015); “Two Trees in Balance”, Socrates Sculpture Park (Nova Iorque, 2015); “D28 / L´espace est une impasse où son temps s´abolit”, Kunstverein Springhornhof (Neuenkirchen, 2015); “Time Scales”, Vera Cortês Art Agency (Lisboa, 2014); “O Balanço da Árvore Exagera a Tempestade”, Galeria Vermelho (São Paulo, 2014); “No hay tal cosa como la naturaleza”, Carmen Araújo Arte (Caracas, 2013); “Invertir a posição”, Galeria Wu (Lima, 2012); “Térmico”, Pavilhão Branco do Museu da Cidade (Lisboa, 2010); “ABRACADÁRVORE”, Museu de Arte Moderna da Bahía (São Salvador da Bahía, 2008).
Entre as suas exposições coletivas recentes, destacam-se “Festa. Fúria. Femina. – Obras da Coleção FLAD”, Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas (Açores, 2022); “Tout Ce Que Je Veux. Artistes Portugaises de 1900 à 2020”, Centre de Création Contemporaine Olivier Debré (Tours, 2022); “Zona da Mata”, Museu de Arte Moderna de São Paulo e Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (São Paulo, 2021); “Tudo o que eu quero – Artistas portuguesas de 1900 a 2020", Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa, 2021); “Drawing Power Children of Compost”, Drawing Lab, Paris e Frac Picardie, Hauts-de-France (2021); “ProjectoMAP 2010–2020. Mapa ou Exposição”, Museu Coleção Berardo (Lisboa, 2020); “Tree Time”, Museo Nazionale della Montagna (Turim, 2019); “Second Nature: Portuguese Contemporary Art from the EDP Foundation Collection”, The Kreeger Museum (Washington, 2018); “Descubriendo un diálogo en el tiempo, Colección de la Fundación Coca-Cola”, Museo Lázaro Galdiano (Madrid, 2018).
O seu trabalho está representado nas seguintes coleções: BESart Collection, Portugal; Coleção de Arte Contemporânea do Estado, Portugal; CAM, Centro de Arte Moderna Fundação Calouste Gulbenkian, Portugal; CAPC, Portugal; Coleção da Caixa Geral de Depósitos, Portugal; Coleção António Cachola, Portugal; Coleção da Câmara Municipal de Lisboa, Portugal; Coleção de Arte Portuguesa Fundação EDP, Portugal; Coleção Figueiredo Ferraz, Brazil; Coleção FLAD, Portugal; Coleção Fundação PLMJ, Portugal; Coleção José Olimpio, Brazil; Coleção Luis Augusto Teixeira de Freitas (Coleção de Serralves), Portugal; Coleção Norlinda e José Lima, Portugal; Colección Coca-Cola, Spain; Colección Navacerrada, Spain; Deutsche Bank Collection, Germany; Fundación Kablanc Otazu, Spain; Jorge M. Pérez Collection, USA; KFW bankenngrupe, Frankfurt; Lars Pahlman Collection, Finland; Museu de Arte Moderna da Bahía, Brazil; Museu Nacional dos Açores, Portugal; TBA21 Thyssen-Bornemisza Art Contemporary Collection.
Exposición. 17 dic de 2024 - 16 mar de 2025 / Museo Picasso Málaga / Málaga, España
Formación. 01 oct de 2024 - 04 abr de 2025 / PHotoEspaña / Madrid, España