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Cristais, pedras e vídeos

Exposición / Galeria Marcelo Guarnieri SP [ESPACIO CERRADO] / Alameda Lorena, 1835 - Jardim Paulista / São Paulo, Sao Paulo, Brasil
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Cuándo:
30 mar de 2017 - 29 abr de 2017

Inauguración:
30 mar de 2017 / 19:00

Precio:
Entrada gratuita

Organizada por:
Galeria Marcelo Guarnieri

Artistas participantes:
Sonia Andrade

       


Descripción de la Exposición

Enamorar-se por uma sombra por Marisa Flórido O encantamento do cristal. A um só tempo transparente e reflexivo, é possível ver através de sua matéria e ser a superfície do espelho daquele que o olha. Em seu prisma, sonha o misterioso intervalo entre o visível e o invisível, o imaterial e o tátil. Não foi a transparência absoluta o desejo mais remoto das imagens da arte? Refletir sem se mostrar. Condição da visibilidade do mundo enquanto imagem artística: invisibilidade do suporte da pintura, do bloco rochoso da escultura. Mas as imagens artísticas jamais escapariam de sua dúbia condição: desejantes de apagar sua existência como duplo para fazer transitar um outro ausente, incapazes de não (se) apresentar sua inelutável opacidade e mediação. As imagens estão assim entre coisa e fantasma, em um entre mundo, em um quase mundo. É esse intervalo, essa passagem indecisa entre aparição e desaparição, fluidez e imobilidade, a presença de um ausente e a ausência presente, que as videoinstalações de Sonia Andrade vêm sondar. Diferentes pedras e cristais como a obsidiana, a ametista, a selenita e a pirita confrontam-se com a fluidez das imagens eletrônicas. Como em outros conjuntos da artista, o verso de John Donne é o disparador da obra. É da palavra que vem o obscuro comando, a secreta exigência: It were but madness now t’impart / The skill of specular stone. De um lado, a “pedra especular”, os cristais, cada qual guardando propriedades distintas. De outro, as projeções em vídeo, os quatro elementos: fogo, luz, água e terra. Se os cristais têm suas partículas organizadas regularmente no espaço, a mobilidade das imagens do vídeo tem a falha intrínseca ao tempo. A artista não busca a gênese do real ou da imagem artística e do vídeo, mas a passagem entre ‘devires-imagens’. Tem como pressuposto o caráter irresoluto entre o real e seus reflexos: a diferença entre estes, se existe, há muito se encontra transtornada. O que existe são imagens apaixonantes e enigmáticas. Na passagem entre elas, mundo e coisas hesitam sob a imprecisão de uma nomeação, e nessa imprecisão a arte vem ter lugar. Como as selenitas, pedras da lua, deixando passar uma luz azul (da televisão) por seu corpo diáfano. Como as piritas acumuladas no chão e a imagem projetada de sua queda: apelidada, por seu brilho metálico e amarelo, de ouro-dos-tolos, enganador, enquanto há de fato pequenas quantidades de ouro nelas disseminadas. Ou o fogo em imagem projetado na obsidiana, vidro vulcânico formado pelo resfriamento das lavas ígneas – tempo consumado e imobilizado. A imagem não se reflete sobre a superfície da pedra, o fogo a devora, sua sombra intercepta e oculta a projeção sobre a parede ao fundo. Na color bar (sinal utilizado em teste padrão do sistema de televisão), por sua vez, a luz, refratada nos cristais, desvela cores de seu espectro. Se a televisão fez irromper a ficção no cotidiano, também passou a ser o acesso ao fluxo vertiginoso de imagens, paralisando o desejo na satisfação imediata oferecida no espetáculo. Nessa narcose diária, o olhar rende-se sem resistência ou pensamento. Por isso, aqui, trata-se antes de capturar a hipnose paralisante e estupidificante da televisão e revertê-la pela arte. Em outra, drusas de ametistas protegem e abraçam a imagem de uma fonte d’água projetada sobre o solo. Os cristais impedem nossa aproximação ao olho d’água refletido: impossível se debruçar à margem da fonte. Como apreender o reflexo nesse olho líquido? Como o cristal, a água nos doa o reflexo das coisas em seu espelho translúcido. Como as imagens do vídeo, tem o fascínio da fluidez. Quantas vezes, nos mitos de origem da pintura, a água foi seu paradigma. Em Narciso fascinado por seu reflexo nas águas, imobilizado na paixão por sua própria imagem, Alberti viu o inventor da pintura. Loucura de um encantamento amoroso que o levará à morte e à metamorfose na flor que leva seu nome. “O que outra coisa se pode dizer ser a pintura”, como dizia Alberti, “senão abraçar com arte a superfície da fonte?”(…) “Contém em si a pintura (…) a força divina de fazer presentes os ausentes; mais ainda, de fazer dos mortos, depois de muitos séculos, seres quase vivos”.¹ Presença fantasmática, espectral, que exige uma doação e uma partilha: dar passagem ao outro em si, como se diz dos cristais sobre a luz em seu próprio corpo, como se diz da narcose das paixões. Loucura da pedra especular da arte, loucura da partilha do presente da vida, essa instável passagem entre a aparição e a desaparição. Não por acaso, a fonte e o espelho são, na Idade Média, o lugar amoroso por excelência, como fala Giorgio Agamben.² À poesia ocidental, seus poetas e os trovadores deixariam, como herança, o caráter fantasmático da experiência amorosa. Amar é especular, é curvar-se sobre um espelho onde o outro se reflete. Amar é enamorar-se por uma imagem, é “enamorar-se por uma sombra”,³ como afirmou o poeta. Por isso as fábulas de Narciso e de Pigmaleão, reinterpretadas das Metamorfoses de Ovídio, se tornariam alguns dos temas prediletos da iconografia e da poesia medievais. Afinal, tanto a imagem de Narciso, refletida na fonte, como a imagem artisticamente construída na pedra por Pigmaleão, guardam algo em comum: são objetos inacessíveis de uma paixão desmedida. “Como”, indaga Agamben, “apropriar-se do inapropriável objeto do amor (a saber, do fantasma) sem incorrer na sorte de Narciso (que sucumbiu ao seu próprio amor por uma ymage), nem na de Pigmaleão (que amou uma imagem sem vida)? Como pode Eros encontrar seu próprio espaço entre Narciso e Pigmaleão?”⁴ Aporia fascinante e fantasmática das imagens da arte à qual estas vídeointalações nos lançam. Entre a pedra e a imagem, entre Pigmaleão e Narciso, vacilamos entre os reflexos e as superposições, entre as ressonâncias infinitas das muitas faces de um espelho movediço. Imagens que se refletem em imagens, hesitamos ali entre os rebatimentos amorosos e as esquivas do pensamento, das imagens do pensamento. Imagens inapreensíveis como os fantasmas do amor. Seria a secreta exigência da arte? Lançar-se apaixonadamente na apreensão do que permanece “inapropriável”? Tarefa, talvez impossível, que se dispõe a encontrar Eros no hiato entre Narciso e Pigmaleão. ------------------------------------------ ¹ALBERTI. Leon Battista. Da pintura. Livro Segundo §26. Campinas: Editora da Unicamp, 1989. p.95-97. ²AGAMBEN, Giorgio. Estâncias/ a palavra e o fantasma na cultura ocidental. Tradução de Selvino José Assmann.Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. ³DAVANZATI, ChiaroapudAgamben, Giorgio. op.cit. p.147. ⁴AGAMBEN, Giorgio. op.cit. 203.


Entrada actualizada el el 29 mar de 2017

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