Descripción de la Exposición
Num vídeo amplamente divulgado filmado no Welsh Mountain Zoo, um chimpanzé pede a visitantes do zoológico que o libertem. Ele aponta o trinco da janela e reproduz o movimento necessário para abri-lo. Como os visitantes não o atendem, ele bate de leve no vidro para chamar sua atenção e repete o pedido, novamente apontando o trinco e explicando como girá-lo para erguer a janela. Os visitantes riem, se perguntam se ele quer ser libertado da jaula mas ignoram suas súplicas.
A maioria das pessoas riria diante da sugestão de que os animais deveriam ter representação política, assim como os visitantes no zoológico riram de seu interlocutor. A questão dos direitos animais tende a ser reduzida à questão sobre a ética do uso de produtos de origem animal, e a questão do ser mais-que-humano tende a ser reduzida à questão do humano, um conceito que é sempre definido negativamente, pela alteridade, em contraste com um outro não-humano radical. Nesse sentido, o ser que não é humano não é uma entidade, mas um limite, a fronteira última do humano. Todos os animais, como apontou Henry David Thoreau, são de certa forma bestas de carga, porque foram “feitos para carregar parte de nossos pensamentos”[1]. Mas nem o ser-enquanto-limite-ontológico, nem o ser-enquanto recurso nos dizem muito sobre o chimpanzé que tenta lhe ensinar a abrir sua jaula. O primeiro afirma que qualquer outro ser é, por definição, não-humano. O segundo, que seres mais-que-humanos podem ter direitos se, e somente se, for possível dizer que se assemelham aos humanos. Não por acaso, grande parte dos juristas e acadêmicos que apoiam a extensão dos direitos jurídicos fundamentais aos animais e sua equiparação legal às pessoas, têm em mente os grandes primatas, chimpanzés e bonobos, e não o ouriço-do-mar ou o rato-dos-lameiros. O direito a ter direitos, aqui, baseia-se na complexidade mental, e não na capacidade de sentir. Mas aquilo que é considerado complexo, em termos mentais, é a capacidade do ser mais-que-humano de reproduzir o raciocínio humano – reconhecimento de símbolos, tarefas aritméticas, consciência da própria imagem ou resposta a estímulos verbais.
Na teoria política ocidental, também existe um nexo entre visibilidade e representação: ser representado é assumir visibilidade, e isso é tipicamente visto como uma postura emancipatória e de empoderamento. Mas essa noção de representação, que na prática é expressada pelo voto, esconde um viés racial e humano-cêntrico. Para a maioria das vidas não-brancas e não-proprietárias, ser visível equivale a ser capturado, a ser representado em forma de estoque ou ações nos mercados globais, e não a fazer ouvir sua voz no sentido político. A vida mais-que-humana geralmente é mais visível em fotos de troféus de caça ou em fileiras de prateleiras de supermercados do que como merecedora de direitos políticos. O ato do voto como única expressão de exigências políticas também prioriza a voz e, por extensão, as necessidades dos humanos, à exclusão de todos os demais seres da Terra, que não dispõem de plataformas para a sua representação.
Em Conselho de Seres, Maria Thereza Alves analisa o conceito de conselho enquanto plataforma de debate, troca de opiniões e sua adequada expressão pelo voto como um conceito que precisa ser revisto e universalizado. As democracias são compostas, de um lado, por aqueles que são afetados pela ação estatal e, de outro, por aqueles que de fato controlam o governo. Em se tratando de humanos, há uma interseção entre esses dois grupos. Esta situação não inclui os mais-que-humanos, que são afetados pela ação estatal e, no entanto, não podem influenciar as decisões do Estado. Se afirmamos que uma democracia só é verdadeiramente democrática quando é governada em nome daqueles que são afetados pela ação estatal, a injustiça torna-se palpável. Os seres mais-que-humanos podem não ser iguais aos seres humanos, no sentido de possuírem agenciamento político ou capacidade de participação em atos políticos, porém são iguais aos humanos no sentido mais relevante do ponto de vista democrático: eles também são afetados pelas políticas de Estado. Em seu texto, a artista nos lembra que muito embora “ao participar de nosso sistema de votação, reconheçamos ser agentes ativos nas decisões acerca de como será nossa sociedade––nossas vidas. O processo tem sido uma lenta e longa batalha pela inclusão de todos os membros humanos da sociedade, e não só dos homens da elite”. De fato, o segredo inconfessável da história social é o de que as democracias modernas, a despeito de todas as proclamações de igualdade, foram construídas com base na exclusão da maioria humana. Sob pressão das mudanças climáticas, a artista afirma que é hora de expandir o conceito e a luta por representação política e pela tomada de decisões sociais para que também incluam os seres mais-que-humanos. Por meio da criação de abrigos para os muitos seres mais-que-humanos que habitam um bairro––incluindo esconderijos, elevações de terra com crateras cujas lagoas cheias d’água matam a sede, bromélias cuja cobertura sustenta a vida da rã arborícola, ou “rochas” de metal para o Leodesmus ypiranga, uma espécie de diplópode que vive em cavernas e precisa de minerais para sobreviver––, a artista confere representatividade às entidades sub-representadas que, ainda assim, fazem parte da vida social, uma vez que mundeiam, desmundeiam ou remundeiam um mundo que é, em sua essência, mais que humano. Seu Conselho de Seres do Bairro é uma assembleia que pode incluir todos os habitantes de um determinado bairro, entre eles os mais-que-humanos tatus-bolinha, crustáceos terrestres, insetos, anfíbios e répteis. Ao chamar nossa atenção para esta “sociedade paralela” que ou é endêmica à área em questão ou chegou a ela após perder seu habitat, Maria Thereza Alves mostra como eles a enriquecem, ao mesmo tempo que aponta para as diferentes maneiras pelas quais os humanos, ao contrário, tendem a empobrecer os mundos sociais dos seres mais-que-humanos, seja pelo desmatamento ou pelo povoamento humano, reduzindo significativamente a complexidade de suas interrelações. Assim, a artista transforma o fazer artístico em ferramenta de criação de um mundo no qual os seres mais-que-humanos enfim teriam suas necessidades, vidas e direitos levados em consideração na tomada de decisões políticas.
[1] Henry David Thoreau, Walden and Other Writings, (New York: Bantam, 1980), 285.
Exposición. 13 dic de 2024 - 04 may de 2025 / CAAC - Centro Andaluz de Arte Contemporáneo / Sevilla, España
Formación. 01 oct de 2024 - 04 abr de 2025 / PHotoEspaña / Madrid, España