Descripción de la Exposición
“Quando o discípulo está preparado, o mestre sempre aparece.” Esse ditado popular é sagaz como poucas afirmações filosóficas. Célia Euvaldo e eu nascemos no mesmo ano. Ambos crescemos em São José dos Campos, embora tenhamos estudado em escolas diferentes, o que implicou termos turmas distintas. Por volta de 1988, Alberto Tassinari e eu vimos seus desenhos pela primeira vez.
O tempo passou, vivemos em países e cidades muito distantes. Estou certo de que vi todas as suas exposições, ao menos as realizadas em São Paulo. E não soube ver a importância de seu trabalho. A única explicação que encontro para isso está em ter desconfiado de meus sentidos por conhecer a artista desde que nos entendemos como pessoas e, assim, temer me deixar levar pelos afetos. Apenas quando as análises de outros críticos de arte me ajudaram a ver suas qualidades, me atrevi a me envolver na compreensão com sua pintura.
Por cerca de trinta anos, tanto em desenhos quanto em pinturas, ela limitou-se a usar os pretos e os brancos. “Limitar-se” aqui significa tirar a maior força e complexidade estética possível dos seus materiais. De fato, com ambos – os pretos e os brancos – a pintora obteve uma relação complexa e diversa no seu trato com a luz obtida apenas por grandes escultores.
Com os pretos e brancos, Célia se vale de instrumentos que vão de pincéis a vassouras e rodos. Com eles faz a luz capaz de refletir, brilhar, estriar-se ou anular-se. Com os brancos, esse elemento natural, a luz, tornava-se sombra. Os diferentes relevos produzidos pelos apetrechos faziam as estrias emparelhar-se, inclinar-se para lados distintos e produzir sombras distorcidas.
Em 2018, em exposição na Galeria Raquel Arnaud, quando as cores passam a ter mais presença nas telas, o crítico Ronaldo Brito escreveu: “Elas [as cores] irrompem no quadro, resolutas, instintivamente misturadas e diluídas. A sabedoria consiste em achar sua `temperatura´, o grau de intensidade que as confronte e aproxime aos pretos e brancos com os quais se estranham e convivem. […] Pelo contrário, como prova sua fatura rápida e líquida, em tudo oposta ao preto matérico, castigado de ranhuras, elas introduzem uma descontinuidade flagrante nessas telas que, justo porque sustentam uma forma instável – não cedem, enfim, a uma prévia harmonia – se mostram”. (1)
Uma tela é dividida em três áreas irregulares – uma faixa negra mais larga é separada por uma faixa verde-oliva escuro de altura semelhante à anterior e prensada por outra faixa mais estreita que se ergue do lado direito até o limite superior da lona. Sabiamente ambíguas, as duas faixas laterais parecem encavalar-se e tornar irregular a faixa verde. Ao mesmo tempo, podemos percebê-las como um movimento de compressão sobre a faixa verde.
Outra tela de grandes dimensões tem como limites duas faixas de tons diferentes de salmão, irregulares tanto na largura quanto na verticalidade. Novamente somos levados a acentuar ora a superfície branca, ora a insuficiência das balizas interrompidas nas duas extremidades.
Já a tela com duas faixas negras, postas em suas extremidades, sugere uma simetria forte apenas para nos proporcionar uma ilusão de óptica. Todas as telas da exposição possibilitam uma experiência de incompletude e desequilíbrio tão corrente em nossos dias, mas que apenas alguns trabalhos de arte tornam possível vislumbrar.
Os trabalhos que usavam os pretos e brancos já criavam diferenças, sobretudo pelo modo de acolher a luz. Com o emprego das cores, sem abdicar da sutileza, tenho a impressão de que a artista se decidiu a acentuar incompletude e desequilíbrio. Criar uma espera e um mundo postergado que poderia reunir-se de outra maneira, assim que o mestre se apresentasse.
Post scriptum
Depois que a exposição estava concebida, surgiu a possibilidade de se usar também o mezanino da Galeria Raquel Arnaud com algumas telas e dois filmes concebidos pela artista. Um caderno com desenhos em preto e branco, de 2015, e outro com páginas com diversas cores, de 2015-2020. O movimento deles se limita ao folhear, ao manuseio dos cadernos. Ambos são projetados na parede do fundo.
O manuseio de um livro ou caderno produz um som típico de uma página que roça a outra. Todavia, esse mesmo descasamento ocorre também nos filmes. Sons e imagens são também “imagens”, reproduções.
A grande diferença das milhares de imagens dos dois aviões que destruíram as Torres Gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001, é que esses dois filmes breves podem ser confrontados lado a lado com as telas que restituem à vida uma experiência sensível e potente, e que tendem a uma redução discutível, mas, acredito, sem volta possível.
(1) Publicado no folder da exposição “Célia Euvaldo” na Galeria Raquel Arnaud, 2018
Rodrigo Naves, 2023.
Exposición. 13 dic de 2024 - 04 may de 2025 / CAAC - Centro Andaluz de Arte Contemporáneo / Sevilla, España
Formación. 01 oct de 2024 - 04 abr de 2025 / PHotoEspaña / Madrid, España