Descripción de la Exposición
Quando na década de 1990, fui tomado de assalto reflexivo-poético sobre o passado colonial baiano a fim de criar um conjunto de obras artísticas que revelasse proposições e visualidades sobre as nossas histórias e tensões étnico-culturais. Adentrei segredos, munido por um desejo de atualizar um repertório de forma crítica na tradição artística baiana.
Moveu-me A Poesia da Época Chamada Gregório de Matos e o estudo historiográfico da economia na sociedade colonial brasileira. Meu desafio nesse contexto foi abordar o tema de forma não ilustrativa. Uma distinta pátina da paisagem pictórica que pretendia criar se apresentava fortemente vinculada com a crença indissociável da relação criativa de arte e vida. O corpo, a pele, os sentidos perceptivos e as memórias tinham que estar radicalmente abertos para tentar abarcar a complexidade trágica deste raro momento de formação e revelação das nossa feridas históricas e sociais.
Inevitavelmente, veio o dado orgânico da vida dos materiais assim com a danação do “Boca de Brasa” clamando pela perda do Antigo Estado. O açúcar surge como elemento físico e simbólico para descortinar as tensões de um mundo escravocrata à beira do caos e da desordem, sendo o Brasil, na imagem de Antonil, “o purgatório dos brancos, o paraíso dos mulatos e o inferno dos negros”. Voltar ao passado e comentar a decadência da Bahia no período colonial sem o interesse em reconstruir o momento histórico, mas sim em encontrar uma possível leitura da contemporaneidade.
Nos antigos engenhos, a casa de purgar era o lugar em que o açúcar passava pelo processo de refino e branqueamento. É onde se separa um açúcar puro de outros julgados como de menos qualidade. Então, essa imagem da casa de purgar serve como um dado para a exposição do artista Tiago Sant’Ana – já que envolve relações de trabalho, separação e estratificação.
Casa de Purgar é a empreitada de Tiago constituída por um conjunto de oito projetos, nos quais quatro estão reunidos nesta mostra no Paço Imperial. O trabalho se realiza na arte da performance e denuncia os nossos traumas herdados da colonização e do escravismo.
O conjunto tem como metodologia revisitar locais históricos como os engenhos de açúcar e os seus complexos arquitetônicos no Recôncavo da Bahia, quase todos estando em condição de ruínas. São fantasmas de um passado de fausto e dor, arruinados em sua natureza física e presentes como monumento originário da nossa ruína social – a desigualdade étnico-racial brasileira. O artista age sobre esses espaços realizando intensas intervenções corpóreas de profunda imersão na memória e energias dos lugares. Utilizado em diversos momentos, o material açúcar – o amargo ouro doce – serve para protagonizar atos de trabalhos pesados como peneirar, socar, pilar, passar a ferro, amassar e por fim deixar-se soterrar em ruínas de pavor e silêncio.
O que se ouve nos vídeos que registram as ações são apenas sons do trabalho e o que se vê são os movimentos do corpo do artista que escuta e fala do seu lugar de afrodescendente – ativando memórias e fluxos de sentidos que atravessam os tempos e chegam até nós através das lutas pelos direitos humanos das populações negras.
As ações de Tiago Sant’Ana são antes de mais nada uma forma produtiva de enfrentamento de nossas mazelas, o corpo do artista aciona táticas de superação e enfrentamento diante de tantos genocídios negros promovidos por necropolíticas oriundas de um passado colonial. As performance de Tiago Sant’Ana são potentes formas de ativismo poético, se posicionando como discurso crítico no atual cenário de arte afro-brasileira.
Ayrson Heráclito – curador
Exposición. 13 dic de 2024 - 04 may de 2025 / CAAC - Centro Andaluz de Arte Contemporáneo / Sevilla, España
Formación. 01 oct de 2024 - 04 abr de 2025 / PHotoEspaña / Madrid, España