Descripción de la Exposición
Senza Paura (excerto)
Óscar Faria
Em “Blaze the fire”, qualquer coisa como “atear o fogo com o fogo”, Pedro Huet convoca uma série de figuras, sobretudo deuses, mas também o proletariado, para questionar não só a velha dicotomia do céu e do inferno, mas também a Justiça e os seus avatares. O artista fabricou uma série de trabalhos -vídeos, caixas de luz, esculturas em barro, imagens digitais -, para simbolicamente realizar uma crítica da política neste tempo de sucessivas crises e emergências. Como diriam os situacionistas, “movemo-nos na noite sem saída e somos devorados pelo fogo”.
Depois de ser recebido pela imagem de uma avestruz a arder no inferno, o espectador entra num ambiente dir-se-ia infernal – a sala maior do Sismógrafo é banhada por uma luz vermelha, a necessária para o velho processo de revelação. Ali, debaixo de fogo, surgem as restantes obras da exposição, que nos falam sobretudo da lei da selva, tanto na sua expressão animal, como nas suas declinações mitológicas e humanas. Tais lutas tanto podem estar relacionadas com a selecção natural, como com as estratégias de conquista do poder, como é o caso da guerra. É a lei do mais forte, costuma dizer-se, contudo, por esta mostra passa uma outra mensagem: essa legislação deve ser a do colectivo, que deve tomar o destino nas suas mãos e dessa forma vencer o tirano, mesmo aquele que existe em cada um de nós.
Surgem assim, tal como nos frescos de ''A alegoria do bom e do mau governo” de Ambrogio Lorenzetti pintados entre 1338 e 1339, os exemplos, os bons e os maus, que muitas vezes podem confluir num mesmo personagem. A avestruz e a chita, os deuses Mafdet e Thor, o escorpião e a cobra – animais que, num trabalho circular, acabam por trocar incessantemente de cabeça, mostrando assim que o poder pode mudar de rosto, mas o veneno continua lá, potencialmente letal –, o céu e o inferno. Há ainda um vídeo no qual se observam dois personagens: uma malabarista, que brinca com o fogo, e um bailarino numa improvisação na qual é possível identificar gestos associados ao treino militar. Atear o fogo com o fogo, apontar o dedo à ferida: a vida é um jogo.
“Se não puder dançar, esta não é a minha revolução”, diz-nos a célebre frase da anarquista lituana Emma Goldman (1869-1940). A paz na cidade deve corresponder ao movimento dos planetas. Esse tempo da amizade e da concórdia é representado, no fresco de Lorenzetti, através da dança de Vénus. E, na exposição de Pedro Huet, a dança do fogo, pode também ser interpretada como um momento de festa. Vem de longe esta ideia de uma catarse através de instantes de alegria associados às coreografias de um corpo colectivo: “E fez duas cidades de homens mortais, / cidades belas. Numa havia bodas e celebrações:/ as noivas saídas dos tálamos sob tochas lampejantes/ eram levadas pela cidade; muitos entoavam o canto nupcial. / Mancebos rodopiavam a dançar; e no meio deles/ flautas e liras emitiam o seu som.” (“Ilíada”, de Homero, Canto XVIII, linhas 490-495).
Naquele que é porventura o mais notável livro acerca da série de frescos de Lorenzetti, “Conjurer la peur: Sienne, 1338: essai sur la force politique des images” (Seuil, 2013), o historiador francês Patrick Boucheron nota: “(…) o tempo da guerra é o tempo em que tudo acontece sob o constrangimento de uma única sensação, aquela de terror; o tempo da paz é mostrado pela libertação dos corpos em movimento, vindo e indo, agindo ou permanecendo em descanso, comprazendo-se na liberdade e na alegria da vida, e sempre, como uma das inscrições no fresco proclama, ‘senza paura’ (sem medo)”.
À saída, surge a imagem de uma cabeça de avestruz, no meio do céu, a sorrir subtilmente para nós. Ter-se-á feito justiça? Será feita justiça?
Pedro Huet (Porto, 1993) vive e trabalha no Porto. Frequentou a Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, a Academia de Belas-Artes de Viena e a LUCA - School of Arts em Bruxelas. Das exposições individuais destacam-se: Walled, Sismógrafo, Porto (2016); were our eyes not like the sun, they could never see it, Mupi Gallery – Maus Hábitos, Porto (2016); e as exposições colectivas Não é ainda o mar, V.N.Gaia (2018) ou No meio de qualquer coisa, Galeria Graça Brandão, Lisboa (2016). Em 2018 esteve em residência em Clermont-Ferrand, França na plataforma Artistes en Résidence. Finalista do prémio Novo Banco Revelação 2016.
Exposición. 19 nov de 2024 - 02 mar de 2025 / Museo Nacional del Prado / Madrid, España
Formación. 23 nov de 2024 - 29 nov de 2024 / Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (MNCARS) / Madrid, España