Descripción de la Exposición
Mas poderei dizer-vos que elas ousam? Ou vão, por injunções muito mais sérias, lustrar pecados que jamais repousam?
Provocantes, discretas, lascívias, irônicas, misteriosas... muitos são os epítetos possíveis para tentar abarcar o complexo balaio de impressões que povoam o universo feminino manifestado nas letras e artes visuais. Diante do esforço hercúleo, nada mais simbólico e desafiador que abrir a reflexão impulsionada pela semana do dia internacional da mulher com a citação de uma poesia de Ana Cristina César - poetisa cultuada e ícone imortalizado da "poesia marginal" da década de 80. ("É pra você também que escrevo"). Em seus escritos, também chamados de "cadernos terapêuticos", de maneira sutil, elegante e sedutora, a poetisa, desloca o leitor para a posição de voyeur, deixando entrever algo de natureza ambígua, secreta e proibida, como num diário roubado.
Com esta mesma elegância e ambiência enigmática a mostra reúne um conjunto de imagens - a maioria, retratos de mulheres dos tipos mais diversos, reais e imaginárias, que não por acaso, encarnam em tinta e gesto partes da sofisticada poiesis encontrada na obra de Ana C. Mulheres estas, que ousaram lustrar pecados que nunca repousaram nas consciências de quem as olharam. Maldição hipnótica da Medusa.
Três mulheres, três artistas que com suas angulosidades particulares traçam as linhas deste triângulo invertido, tão sugestivo, signo de autonomia e luta, são elas: Andréia Falqueto, Clarissa Campello e Marcela Cantuária.
Igualmente astutas, provocantes, lascívias e misteriosas, e que estes epítetos não nos enganem, nos oferecem revelações ou pequenas epifanias dadas muitas vezes de forma crua, aguerrida e nada romanesca. A mulher está livre da categoria de objeto-fetiche-passivo, tão comum à tradição eurocêntrica da história da arte dominada pelo gosto dos homens, porque não mais representa um cânone de beleza. Ela agora é sujeito, dona de uma estética própria, fala por si, e se mostra como quer e o que quer.
Este outro importante deslocamento também fica claro nas obras apresentadas por Andréia Falqueto. Influenciada pela forma e paleta de artistas como Marlene Dumas, Jenny Saville, Cecily Brown, Henri Matisse, Lucien Freud, entre outros, pode-se perceber a tensão psicológica contaminante que extravasa a contemplação passiva diante da pintura, principalmente, em obras como "Musa contemporânea" e "Comigo ninguém pode". Para além da própria acidez sarcástica dos títulos, o passeio gestual formador de contornos fora de um padrão clássico ou de um padrão estético anoréxico pós-moderno, é a marca mais importante de um conjunto de pinturas que tem também, num certo sentido, forte apelo ideológico feminista, isto é, engajado na luta pela conquista dos direitos da mulher diante de uma sociedade machista e patriarcal. Como nos escritos de Ana C., cria-se um enigma para os olhos masculinos antes de um deleite fugaz. As mulheres retratadas nos nus de Falqueto exibem espontaneamente seus contornos genuínos, assimétricos, suas tatuagens e marcas como conquistas do tempo e não como vontade de agradar o observador. São humanas acima de tudo.
Nos trabalhos de Clarissa Capello, faz-se notar a grande influência de pintores como Lucien Freud, já citado, além de Sandra Gamarra, Cristina Canale, Alice Neel, e da polêmica artista portuguesa Paula Rego, entre outros.
Nas séries de Campello, o observador é levado a compartilhar de um olhar apaixonado pelas mulheres que mantem-se curiosamente a uma distância platônica. Todas as mulheres retratadas, tais como: Ana Paula Maich, Amanda Azevedo, Marina Monteiro, Maíra das Neves, etc., de certa forma, como no "Banquete" de Platão, discursam sobre o amor. Um amor sáfico? Todas são, neste sentido, versões de Diotima da Mantineia. Neste caso, se "elas ousam", a resposta para o observador residirá na imaginação, na intimidade de seus próprios pensamentos e reflexões. Trata-se de uma narrativa aberta e elegante, ligada também à criação de um novo cânone contemporâneo que admite e celebra a pluralidade; a força em construção de um "feminino" que se distancia dos estereótipos de fragilidade e dependência. Paixão versus Hybris. Um sentimento que repousa em cada tom, cada pincelada, cada dégradée, cada detalhe minuciosamente trabalhado, como na complexa trama listrada do cobertor repleto de corações esvoaçantes que re-vela mais que acoberta, na obra intitulada "Ana Paula Maich" de 2013.
Já nos trabalhos da artista Marcela Cantuária, influenciada igualmente por alguns artistas citados como Paula Rego e Marlene Dumas, além de Kim Dorland e Justin Mortmer, tanto pelo processo quanto pela paleta, há que mencionar a tensão política que atravessa a tensão psicológica das mulheres representadas sempre de maneira inusitada, incômoda e arrebatadora. As obras que não possuem títulos se traduzem em trabalho indócil, muitas vezes, de cunho político, feminista e militante.
Renata Gesomino.
Crítica de arte e Curadora Independente. Prof.ªDrª. do IART-UERJ.
Exposición. 12 nov de 2024 - 09 feb de 2025 / Museo Nacional Thyssen-Bornemisza / Madrid, España