Descripción de la Exposición
Um dos desafios enfrentados historicamente pelas artes espaciais é encontrar soluções para captar o fluxo dos acontecimentos usando formas estáticas. Ao apresentar algo que se move, o que é figurado ou fixo deve guardar uma aparência de maleabilidade, evitando a rigidez ou a paralisia. Em outras palavras, como dar forma ao vento que sopra a vegetação, à ondulação na superfície dos rios e lagos, à corrida esbaforida dos animais e à tensão muscular e erótica dos corpos? Nesta exposição, o que aproxima Iole de Freitas, Matthew Lutz-Kinoy e Trisha Brown é a relação entre os trabalhos e o movimento dos corpos no espaço. Por diferentes caminhos, as obras aqui reunidas abordam os modos expressivos da dança.
Iole de Freitas, que dançava desde muito jovem, usava em seus trabalhos dos anos 1970 a câmera como dispositivo para multiplicar reflexos fragmentados do corpo. Registrava em imagens os gestos esquivos de seus próprios movimentos, que se recompunham em sequências fotográficas. A faca, o espelho, as partes do corpo que aparecem nessas sequências formam o elenco desmembrado de uma série aberta, ligada a materiais psíquicos primordiais, como a completude sempre adiada do corpo humano.
Desde a década de 1980, a artista trabalha principalmente com esculturas e instalações. Nas Arruaças (2022), feitas de policarbonato e hastes de aço e expostas aqui, há um caminho diferente. Ao passar das imagens às coisas, a ênfase da artista recai mais sobre movimentos e direções do que sobre a construção do corpo. As esculturas não tramam um volume, nem completam umas às outras: são torções de planos em relação à sala, se interrompendo mutuamente. Cada escultura é autônoma, mas essa autonomia é solidária à situação ambiental constituída pelo conjunto, como o tecido movente de dançarinas chama a atenção às distâncias entre elas, aos intervalos e desencontros entre seus movimentos sincopados. Como se respondessem a correntezas invisíveis do ar, as Arruaças instauram uma rede de latência e direções possíveis. Ao caminhar pelo espaço expositivo, percebe-se que essas esculturas oferecem interrupções e sugestões coreográficas, como vírgulas que desfazem a ordem direta de uma frase.
Trisha Brown redefiniu a dança contemporânea. Nos seus dispositivos coreográficos, mesclava parâmetros rígidos à improvisação livre para ver como “o movimento revela estruturas, e as estruturas revelam o movimento”. O seu projeto envolvia desvincular a dança da configuração cênica determinada pela subordinação do gesto à música. A partir de seu trabalho Locus (1976), o desenho assume cada vez mais destaque em seu processo criativo. De acordo com a pesquisadora e crítica de arte Susan Rosenberg, estes inicialmente serviam de partitura e notação para o desenvolvimento das suas peças. Com o tempo, ganham autonomia enquanto registros do ato físico de sua própria execução, tomando consistência como linguagem plástica.
As obras dessa exposição, desenhos de grandes dimensões feitos entre 2002 e 2006, foram executadas em performances ao vivo, no estúdio ou no palco. Brown traduz a espontaneidade e liquidez da improvisação livre em grafismos abstratos de carvão, distribuindo sobre o papel marcas indexicais, rastros do dispêndio físico. Esses trabalhos integram a série It’s a Draw, e deixam claro o parentesco da dança e do desenho como modos de inscrição (grafias), sobrepondo o “como” da experiência visual ao “onde” do espaço coreográfico. Não se trata mais de partituras, mas de transcrições ou traduções de gestos sobre uma superfície. O desenho atua como diagrama do pensamento coreográfico, mas também como mapa de gestos desgarrados do corpo, acervo de passagens sem um fim definido.
Em sua produção, Matthew Lutz-Kinoy frequentemente escora-se em sistemas como a arquitetura, o paisagismo e as artes do corpo para orientar suas composições. A organização do movimento de pessoas num jardim, numa praça ou num palco é uma preocupação que o artista compartilha com aqueles que projetam e ocupam esses espaços de trânsito. Em grandes superfícies de tecido translúcido, Lutz-Kinoy distribui incidentes pictóricos como se pautasse uma dança: organizando fluxos de cor, emaranhados de linhas e figuras que parecem apanhadas em um instante tenso de movimento dinâmico. A soma de descontinuidades leva ao próprio corpo da pintura. Seus trabalhos são construídos por meio de sobreposição e mediante a negociação fluente de opacidade e transparência. Além do tecido como suporte, parte fundamental de sua “dança” é a luz, tornada propriedade integral das cores que emprega, saturando ou esmaecendo a trama cromática conforme o espaço circundante também reage às suas transformações.
Lutz-Kinoy declara que ele toma emprestado de coreógrafos a ideia de uma perspectiva aérea, posicionada diretamente acima do espaço, que permite uma visualização privilegiada de corpos em movimento. The Red G Dances Under a Pink Roof (2022) revela particularmente bem esse modo de percepção que, diferente da vista frontal, permite enxergar trajetórias, transições e distâncias relativas no amplo espaço vazio, que aparece como reservatório de ocupações potenciais. Recursos semelhantes foram explorados pelo coreógrafo e cineasta Busby Berkeley, cujas icônicas filmagens de danças caleidoscópicas em Footlight Parade (1933), tal como as pinturas de Lutz-Kinoy, mostram corpos a flutuar em um meio aquático, dando a sequências de movimentos uma dimensão gráfica e pictórica.
Iole de Freitas, Matthew Lutz-Kinoy e Trisha Brown aqui se encontram como três ritmos distintos que se trançam num andamento sincopado, descontínuo mas propulsivo. Como membranas, os trabalhos traçam limites e pontos de contato entre meios heterogêneos –as artes visuais e a dança – operando trocas entre eles, afetando a nossa compreensão das duas linguagens simultaneamente, tencionando-as em reajustes mútuos. Os trabalhos mostrados nesta exposição transcrevem o movimento, impalpável e intangível, em matéria. Num acúmulo de síncopes, a ação se converte em espaço.