Descripción de la Exposición
As obras habitam o espaço sustidas por auxílio mútuo, uma salvação que a (co)presença silenciosa garante. Algumas estão ligadas por uma estrutura que as une, outras pela sugestão de um toque, todas por uma ordem de semelhanças e proximidades que faz da sua existência dual. Estar com o outro (ou ser em alteridade) insinua-se em iteração por toda a partilha expositiva. Um anúncio da falência do individual e do falhanço da solidão na tessitura contemporânea. Cada obra presente na exposição não quer estar sozinha - apoia-se, sem receio, no seu par, dialoga, ajuda, existe dobrada na luz da partilha.
A pedra só não voa porque não quer..., mais recente exposição individual de Cristina Ataíde, assume-se como lugar onde as obras de arte revelam a sua natureza dialogante e o modo como, sem colocar em causa a aura e a unicidade, o duplo e a mesmidade são um tema recorrente da arte contemporânea. Isto, porque o campo de pesquisa artístico é regido por uma dinâmica estrutural dialógica em que cada obra surge como resultado de anterioridade que é plástica e emocional e se insere, usando a terminologia warburguiana, numa conformidade de boa vizinhança.
Se Cristina Ataíde tem vindo, por um lado, a delinear, através do seu trabalho, uma cartografia do conflito e das suas diversas fisionomias e geografias, por outro, oferece ferramentas para pensar a sua resolução, construindo um imaginário em que uma enorme proficiência plástica leva a lugares de empatia, convivialidade e salvação (e até a um mais prosaico, mas tão premente, salvamento). Num mundo de crescente impossibilidade poética face à barbárie normalizada no quotidiano, a artista resgata o indizível em formas plásticas de cuidado necessário e urgente.
Não será mera coincidência o título da exposição, A pedra só não voa porque não quer..., frase tomada de empréstimo a um poema de Paulo Leminski, remeter para uma aparente aporia, ultrapassada logo que se observam as obras de Ataíde. Os trabalhos em mármore são de uma leveza insondável, desafiando as leis da gravidade num equilíbrio apaziguado e sem esforço. Todas as peças são, simultaneamente desenhos e esculturas, sem que nenhum destes se oponha em campos de força ou tensão: a pedra é meticulosamente desenhada, o pigmento e a tinta são tratados como entidades volumétricas.
Até porque esta é uma exposição de gestos - afinados, subtis - feitos para o mundo, para o construir, para o melhorar. Por isso, a escala, a altura a que estão instaladas e as dimensões das obras configuram um chamamento ao corpo (humano), não como mero espetador, mas como ser participante na mudança da Terra. Esta mudança será empática e em conjunto, porque a pedra só não voa porque não quer e voar só de mãos dadas.
Ana Cristina Cachola
Outubro de 2023