Descripción de la Exposición
Artistas: Catarina Real, Diana Carvalho, Felícia Teixeira e João Brojo, Frederico Brízida, João Gabriel Pereira, Paulo Osório e Pedro Huet.
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Como imaginam o mundo dentro de 10 anos?
Esta foi a ideia lançada aos 8 artistas, todos em início de percurso, que integram a exposição "A meio de qualquer coisa": Catarina Real, Diana Carvalho, a dupla Felícia Teixeira e João Brojo, Frederico Brízida, João Gabriel Pereira, Paulo Osório e Pedro Huet. A sugestão foi avançada pelo também artista e curador da exposição, Nuno Ramalho.
O repto inicial deu lugar à pluralidade de interesses característicos das actuações individuais de cada artista. As abordagens passaram naturalmente por interrogar múltiplos planos que, ainda assim e de forma não coreográfica, isto é, livres do espartilho de um qualquer exercício de curadoria, estabelecem entre si uma rede de reflexos.
Desde logo surgiram pontos comuns, como aquele que se forma a partir de questões ligadas à exploração da identidade - a do sujeito para consigo próprio, através da comunicabilidade que estabelece com os seus pares, no que estende até um mundo complexo nos seus aspectos culturais, económicos, tecnológicos, politicos, ou ainda na manifestação de códigos e lugares contidos no cruzar de todas essas ligações.
Trata-se assim de interrogar aquilo que no mundo se institui e afirma, acabando por o moldar, tendo como unidade de medida o sujeito e as suas formas de actuação. Aqui incluem-se concretamente as produções artísticas, os seus processos, formas e conteúdos, sempre capazes de operar mais além dos limites e visibilidade determinados por essas mesmas condições. É nessa perspectiva que se apresentam as propostas que testemunhamos nesta exposição; elas procuram expandir de modo não-dogmático a interrogação àcerca das formas através das quais a arte, efectivamente, afecta o mundo a que pertence - bem como aquele outro, mais distante e futuro, que ajuda a concretizar.
A unir estes artistas encontra-se igualmente uma vontade para lá da voracidade tecnológica com que a geração a que pertencem se encontra identificada, muitas vezes de forma redutora. De facto, as obras apresentadas partilham na sua maioria um olhar inteligentemente apontado a meios e soluções que inscrevem neste mesmo tempo, de hiper velocidades e permanente deslumbro pelo último gadget ou app, possibilidades do pensar e fazer artístico que não as que eventualmente esperaríamos encontrar entre artistas tão jovens.
Surgem pois perspectivas sobre o sujeito enquanto território de trabalho. No caso de Paulo Osório (Porto, 1990), o que pode constituir o indivíduo nas suas zonas de fronteira e conflito aparece literalmente ensaiado, exposto e registado em palco. Através de um dispositivo em que um monólogo interior, revelado na forma de diálogo a três vozes e vários gestos que mais não são do que manifestações efectivas do próprio artista, o trabalho acaba por assentar na fratura e interrogação do indivíduo que se opera dentro mas sobretudo a partir da obra de arte, da sua partilha e disseminação. Ou seja, implicando na obra o apagar do próprio até que um outro, o mítico espectador, possa eventualmente emergir. O enormismo da auto-representação, do exagero do ego que já não pode ser contido apenas numa figura e a uma só voz, dá manifestamente corpo à observação e representação de um espaço social absolutamente reconduzido ao individualismo, em que cada um pode constituir-se enquanto espectador e espectáculo.
João Gabriel Pereira (Leiria, 1992) sugere essa reflexão sobre a complexidade em torno dos limites do sujeito reconstituindo-a igualmente através do medium utilizado e das possibilidades que nele habitam, tornando-o também um actor. Recorrendo à síntese das elasticidades próprias da pintura e da sua tradição (que opta por não amaldiçoar), convocando a sua capacidade de manifestar universos simultaneamente estranhos e reconhecíveis - espaço, luz, côr, história, composição, quotidiano, concreto, figura, abstração, o que fica aquém e além de todos eles -, capazes de manter essa tensão em permanência, estes trabalhos revelam também, talvez sobretudo, quem os vê e a forma como o faz. Múltiplos e fragmentários, marcadamente singulares, os trabalhos reconduzem as diversas tonalidades do mundo à possibilidade da sua representação, capaz de as questionar precisamente ao torná-las mais vulneráveis e menos musculadas, acessíveis até pela sua escala mas enormes no que esta é capaz de conter.
A questão inicial sobre as valências e validades das dimensões da arte, partindo do sujeito e no seu efeito sobre o mundo, pode certamente ser explorada através das singularidades dos universos artísticos trazidos ao contexto expositivo. Certamente encontra continuidade na alusão a territórios da sexualidade e erotismo, referência que emerge ainda na obra de João Gabriel Pereira e está igualmente presente no trabalho de Frederico Brízida (Lisboa, 1991).
O que este autor propõe parece ser um olhar menos comum sobre a conceptualização do desejo, lembrando que hoje em dia não podem simplesmente ser consideradas menos familiares ou menos expostas (e por isso arriscadas, também no sentido da produção artística), as variantes da sexualidade e da proximidade com o outro. De facto, essas variantes serão talvez as manifestações do humano que cada vez menos se apresentam como modos de transgressão ou sinónimos do agressivo e desestabilizador. Pelo contrário, e alinhando com as supostas características geracionais dos que se apresentam reunidos nesta exposição, afirmam aquilo que acabará por se instituir como presença concreta e manifesta de um qualquer entendimento sobre a normalidade. Pelo contrário: debaixo do manto financeiro que nos cobre, o 'transgressivo' (objecto predilecto do radicalism classe media, conforme lhe chamou L. Goldiner) adivinha-se já não estar verdadeiramente aí, onde já não é "problemático", e sim reconduzido a um lugar clássico, de pódio, celebratório e de certa forma, fúnebre. É também dessas formas de nivelamento operadas pela história que nos fala o torso monumentalizado e cristalizado proposto pelo artista na sua obra.
O problema da institucionalização e reorganização do espaço social e cultural abre-se de forma clara com a 'linguagem' desenvolvida no caso de Catarina Real (Barcelos, 1992). Ao longo de um fluxo vibrante de fragmentos que convocam ritmos, padrões, repetições, anomalias e cumplicidades no variável, assoma um desejo e vontade de incomunicabilidade. Na realidade, é essa característica que nos devolve a potência religiosa (re-ligar) contida na arte, só podendo ser considerada paradoxal na sua natureza por se apresentar, de uma forma que se percebe não ser de todo inocente, no tempo em que tudo tende no sentido oposto, redutor: o da comunicação enquanto momento fundador do homo economicus (ou será já homo finis, o da era da finança mas que é também aquele que - literalmente - traduz um fim?). De forma inesperada, a artista escolhe partilhar um outro enquadramento sobre um velho problema: aqui, o incomunicável já não se expressa num nostálgico - mas sempre rentável - gesto ou slogan punk, antes sugere uma suavidade plástica e conceptual talvez bem mais desconcertante e irreconhecível. Essa aparente brandura pode ser, recorde-se, uma arma de combate, conforme nos recorda novamente a própria história e o parece reivindicar o tempo do presente, em que a contestação se arrisca a tornar num fenómeno vintage a necessitar de ser revitalizado - talvez experimentando formatos inusitados e modelos desconcertantes. Citando a artista, este "corpo que escreve já sem dizer" recorda-nos a infinita potência que aí se inscreve.
É também na alusão e resistência às velocidades do presente, e nomeadamente as que se materializam através da linguagem em circulação, que se inscreve a obra de Pedro Huet (Porto,1993). Ao procurar e partilhar a pergunta sobre aquilo que se institui enquanto sinal do contemporâneo em certos modelos de organização social, nomeadamente os que ocorrem em contextos ditos "mais favorecidos", o autor parece querer apontar para o que também se esconde nessa espuma dos dias. São coreografadas diferentes narrativas e convocados elementos do real e do virtual enquanto documentos que atestam (será?) o presente, para se introduzir outra perspectiva sobre as dinâmicas de visibilidade que recaem sobre e compõem o sujeito contemporâneo. As diferentes formas de linguagem surgem atravessadas pela interrogação comum, que as suspende na sua condição de herança e reprodução a partir da qual se molda o sujeito e o mundo, ontem como hoje, independentemente dos dispositivos tecnológicos subjacentes. O artista inscreve na sua relação com a tecnologia o questionamento profundo desta enquanto forma de domínio sobre o quotidiano e condição de alienação, não esquecendo a ferramenta tradicional da narrativa enquanto vector e herança dessa mesma questão.
As marcas do institucional aparecem para lá do sujeito e das suas particularidades, para se concentrarem quer na observação das condições do próprio espaço expositivo, na relação do mesmo consigo próprio (afinal, que lugar é este?); quer continuando essa análise extravasando-a para lá dos seus exactos limites, convocando, apropriando ou representando determinados aspectos sociais, políticos, económicos e/ou culturais daquilo que constitui o tecido social vivo da sua vizinhança. Esta parece ser a condição implícita inscrita pela dupla Felícia Teixeira e João Brojo (Vila Real, 1988 / Fundão, 1987; trabalham juntos desde 2011) na sua proposta. Os fluxos de intensidade variável, o trânsito de signos e de significados, o conglomerado de momentos e agitações cruza-se literalmente na intenção de expandir os limites normalmente associados quer ao espaço físico expositivo delimitado, quer ao tipo de evento em que se inscreve e apresenta de forma contextualizada a obra de qualquer artista, quer à 'ordem' a que tende a obedecer a produção artística (a tal que nunca pára). A resposta ao processo criativo é indissociável da sua permanente inscrição numa metodologia animada, cada gesto ou momento procurando a novidade em si próprio e portanto longe da que possa ser quantificada e finalizada por quem é 'criativo', segundo os evangelhos actuais. A condição, aqui, é de abertura e de circularidade, de diacronia, certamente de fuga face a um centralismo banalmente associado a um autor, a um espaço, a um tempo.
Similarmente, é no plano em desagregação e permanente reconfiguração sobre o que se apresenta e opera enquanto realidade que se desdobram as perspectivas subtis de Diana Carvalho (Lisboa, 1986). Através da evocação da presença de uma certa fisicalidade em risco, reunindo o espaço da rua e o seu cosmos com a desterritorialização do local de trabalho - o atelier -, convoca-se simultaneamente a economia subjacente a qualquer ideia. As imagens, ambivalentes e oferecendo ecos vagos quer à linguagem da banda desenhada, quer à memória da urbis em constante reconfiguração, não possuem uma verdadeira frente e verso; ou seja, uma é facilmente substituída e transformada por outro. São objectos que se desdizem e nos arrastam nessa suspensão. Deixam de ser bidimensionais, assumem uma construção e uma intencionalidade autónomas. Nessa vontade, dão também conta da nossa própria capacidade e dos seus limites: são projeções e também retro-projecções, que poderemos ser tentados a perseguir - e se as ideias, qualquer ideia, pudesse existir nessa ambivalência e simultaneidade? Uma vez mais, o gesto subversivo acaba por não ser exactamente coincidente com aquilo que vulgarmente o caracteriza, como o que é mais expressivo ou agitado. A violência que as obras sugerem é de outra ordem, contrária à sua fácil apreensão e a um panfletarismo dócil. E é também com esta ideia em mente, ela própria subvertendo o que anteriormente se propôs, que todas os trabalhos podem ser encontrados.
O mapa desenhado pelo conjunto destas intervenções aponta pois para a presença de inquietações deste presente, que é o nosso e pelo qual somos responsáveis. Paradoxalmente, reponde de forma especulativa a questões que a todos se colocam sobre determinadas densidades e opacidades relativas ao futuro, e ao que ele pode conter. O mundo, daqui a dez, vinte, seiscentos anos não se detém no que o imagina; faz-se, desde o presente e através da sua discussão, também através destas obras.
Nuno Ramalho, Fevereiro 2016
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