Descripción de la Exposición
O projecto que Diango Hernández preparou para a Porta 33 tem a particularidade de não ser propriamente uma exposição, mas a articulação de um conjunto de fragmentos que foram o ponto de partida para um processo de construção de um workshop que estava originalmente previsto acontecer em 2010, mas que por contingências várias só agora aconteceu, com meios e escala mais reduzidos que o previsto.
Estes fragmentos são desenhos recontextualizados, remontados, reactivados, cuja convivência no mesmo espaço tem por objectivo espoletar um processo de reflexão e de experimentação em torno do desenho e, mais especificamente, da linha enquanto elemento constitutivo e mínimo denominador comum que permite o reconhecimento de qualquer desenho.
O workshop que teve lugar imediatamente antes da exposição, e que é parte integrante do processo de montagem desta, dividiu-se, grosso-modo, em três fases a que chamámos, respectivamente: diário, transferir e projectar. Em cada uma delas foram discutidas questões diferentes e propostos exercícios específicos.
"Diário" é um bloco dedicado ao desenho enquanto espaço da intimidade e do segredo, da constituição individual, em que as narrativas pessoais, o registo do quotidiano vão de par com o pequeno formato, a economia de meios, uma forma de linguagem não raras vezes encriptada, a urgência do relato ou do testemunho - aqui, a linha é informal, o conteúdo é tudo e o resto é simplesmente o resultado das circunstâncias em que o desenho é feito.
"Transferir" refere-se ao desafio de traduzir e de transformar a linha num objecto tridimensional. Carrega consigo um sentido de realização, de corporização, inerente ao desenho enquanto projecto. Um desenho é de todas as formas um objecto tridimensional tal como os pensamentos e as ideias o são. Neste exercício, trabalhou-se a importância de utilizar desenhos como referência para outros desenhos. A escala, os materiais, a dimensão do desenho foram aferidos pelo valor da história que se quer contar. Aqui, o lápis foi posto de lado.
"Projectar" refere-se ao exercício de construir pelo desenho o sistema que articula o espaço físico e codificado da instalação. Por concomitância, a folha de papel é o espaço e o espaço é a folha de papel. Aqui não se trata de um exercício de escala, mas da projecção de um espaço interior, dotar a linha de um poder que articula e quebra o mundo em dois hemisférios.
Mas porquê a linha? Porque uma linha pode ser entendida não somente como um elemento do desenho mas como algo que existe para além do desenho. Para o workshop, Diango Hernández partiu da tentativa de uma definição, em negativo e em positivo, do que será o desenho:
"Um desenho não pode ser um desenho se não conter uma linha;
Um desenho sem uma história na origem é talvez uma obra de arte mas não um desenho;
Uma obra sobre papel não é necessariamente um desenho;
Um desenho deve ser um plano, uma visão que dê corpo a alguma forma de futuro;
Um desenho é por natureza uma ferramenta;
Fazer um desenho é um acto de definição, conta um momento de mudança e de transformação; um pensamento transformado numa forma de linguagem muito simples; define duas áreas ou espaços; as linhas são limites, em mapas, na geopolítica: não nos esqueçamos de que os rios foram as primeiras fronteiras".
Na prática artística de Diango Hernández o desenho começou por ser uma forma de resistência e de sobrevivência mental, uma forma de recolha, de registo, de compreensão, percepção e de filtragem de um real em perda no período pós-revolucionário da sua Cuba natal, para se tornar numa forma de articulação e de projecção de conceitos e de ideias guiadas pela energia da utopia. As instalações de longo fôlego que vai construindo projecto após projecto propõem visões livres e rigorosas como só o desenho, liberto de uma função exclusiva e estreita de representação, pode criar.
É, como já referimos, da ordem do fragmento o proto-discurso em que se constitui esta instalação. São pontos de partida, propostas, proposições, começos de desenho, começos de narrativa que ali estão para serem recomeçados, completados, cumpridos. Como utopias verdadeiras.
A instalação desses fragmentos [de um discurso amoroso?] funcionam, assim, como enunciados, pistas para serem lidas e pegadas [a duas mãos?]. Constituem, no fundo, processos de tradução e de transmissão silenciosa, sem o recurso a palavras, no âmbito estrito da linguagem do desenho.
Vemos fotografias aéreas, recortes de desenhos, linhas traçadas sobre diferentes superfícies, emblemas, palavras, livros esventrados e abertos, páginas de cadernos de desenho de 1890 em que a linha desenha, hesitante, apreensiva, formas geométricas. Percebemos talvez, mesmo a esta distância, mesmo neste lugar, o drama que que jogava naquele momento, naquele lugar: tratava-se de executar um exercício mediado pela observação atenta e ameaçadora do professor, de uma autoridade. Contudo, aquilo que sobrevive como desenho, poderosamente, intensamente, claramente é a hesitação, a fragilidade do traço. A importância de uma linha...
Nuno Faria
Junho de 2013
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